UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por Temas: O ROMANCE Avalovara é estruturado em oito temas, indicados pelas letras R, S, A, O, T, P, E, N, cuja origem é o palíndromo SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS. Cada uma das letras é acompanhada de um título. A disposição dos oito títulos obedece à ordem da inscrição das letras no quadrado, conforme a incidência da espiral que lhe é superposta, gerando uma estrutura não seqüencial.

No agrupamento por temas, desconstruímos o entrelaçamento dos temas e os dispomos em ordem seqüencial, tema por tema, formando oito unidades, cada uma com seu desenvolvimento contínuo. Isso possibilita um tipo de leitura seletiva, já previsto pelo próprio autor.

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Você está em Leitura por temas » Tema O - História de Ö, nascida e nascida [O12]

Incerto, sopra o vento entre as antenas e os altos anúncios sobre os edifícios. Dourado rumor de abelhas, semelhante a uma chuva, desce do Sol sobre a cidade em decomposição. Abel diz que me ama e exalta meu corpo. As frases que murmura: triviais, antigas (oh, meu amor! tão redondos e brandos teus joelhos), palavras sem engenho - lisonjeiras, contudo -, e proliferam, desdobram-se, atam-me sem que ele as pense ou pronuncie, atam-me. Guirlandas. És bela e desejável. Quando transitas em meio à multidão, ouço teu rosto, como se fosse um cântico, um solene e jubiloso cântico alçando-se da brutalidade. Mesmo sem te ver, sei que te aproximas. Mesmo os distraídos, mesmo os corretores, ouvem a tua beleza. Amo-te. Teu corpo é uma câmara sombria e acolhedora, cercada de miasmas. Afluem a este recinto, purificados (ou apenas evocados?), o hálito nauseante dos pregoeiros da Bolsa, o negro oxigênio expirado pelas fábricas, as exalações dos mortos e dos automóveis, o odor de sepulcro que flutua ante os cofres abertos e as caixas-registradoras, o pó das demolições, o suor dos oprimidos, as fezes revolvidas nos esgotos pelas escavadoras mecânicas, tu mesma abrigas algumas podridões, mas em ti o mundo transfigura-se. Como em um texto onde ecoem as penúrias do mundo, mas denso e rítmico, e escrito amanhã. És bela. Estar contigo é um dom como o de ver, como o dom de ouvir. Insensato seria estar junto de ti e não fruir o que és. Se ouço, devo agir como surdo? Não deverias nunca perdoar-me se, conhecendo-te, não te desnudasse e unisse o meu ao teu corpo eleito. Eu te amo. Tua língua, pelo desejo aquecida, rescende a almíscar. Este é o odor com que a mariposa aquerôntica chama o companheiro. Conserva, pois, tua língua escondida em minha boca. Não vão as mariposas em busca de fêmea invadir a sala e unir-se à tua língua rescendente, certas de que o fazem a um novo espécimen, rubro e ágil. Não vá a tua língua preterir-me em favor de alguma mariposa evocadora da morte. Como eu te amo! Perfeita em sua nudez é a vastidão celeste. Nem por isto é excessiva ou reduz sua beleza a presença das nuvens passageiras. Perfeita em sua nudez é a folha de papel ainda não escrita. As palavras com que as escureço não restringem ou diminuem a sua perfeição. Assim, também, os adereços que trazes em teu colo, em tuas orelhas, em teus dedos, em teus pulsos: nuvens na altura, palavras na alvura. Há tanto eu te desejo! Teus peitos, alvos e nédios cordeiros, vagarosamente passeiam em minha pele. Tilintam, quando se movem, seus bicos acobreados. Ouço-os: guizos delicados. Tomo em minha mão seu sexo alteado, sinto pulsarem a glande assetinada e as veias. O sangue pulsa, pulsa no seu sexo, no coração do sexo - esse pássaro. Um frêmito: é como se tentasse fugir, escapar à pressão das minhas unhas. Um marco, o centro do corpo. Afago-o, afago docemente este obelisco, este arpão ereto e elástico, com seu focinho de lobo. Sondo, com as pontas dos dedos, dentro da carne, o seu começo ou seu fim e não o encontro, ele continua para dentro, para dentro do ventre, por mais que eu cave com os dedos não o perco, ele continua (onde começa? onde?), impressão de que prossegue pelo corpo adentro, enreda-se em caudas, dá voltas, uma planta, arbusto rijo e vibrátil incrustado no corpo deste homem, com flores nas raízes, flores e frutos, flores de um verde carregado, frutos de um rubro semelhante ao dos figos. A luz se decompõe nos prismas? Assim suas palavras. Ele me fala e as suas palavras, dentro de mim, se desdobram em outras, não articuladas. Querida! Enlaça-me em teus braços macios. Enlaça-me em teus braços ternos. Ao teu lado, meu corpo já não sabe como expressar o seu contentamento e enche-se de asas inquietas. Prende-me em teus braços perfumados, para que a minha alegria, alada, não me arranque à minha alegria. Meu amor! Teu ventre é cálido. Pedra ao Sol. Teu ventre é fresco. Pedra sob a água. Eu te desejo. Como deslizam em teu sexo meus dedos! Escondido, sob impalpável penugem, entre as nádegas boleadas e ondulantes, teu ânus. Violeta ausente. A maciez das tuas ancas é silenciosa. O mel do teu deleite umedece-me a palma e cheira a rosas. Teu sexo me chama. Chama-me do fundo do teu ventre, é um apelo claro e tão imperioso como o que nos vem, às vezes, em sonhos. Teu sexo me chama e proclama seus dons: "Sou feito de bocas, de lodo na sombra, de mãos, de flores, de peixes ávidos, de tardes estivais, de lagartas de fogo. Verás como hei de com dez bocas sugar tua virilidade, verás como deslizas entre ladrilhos úmidos, limosos, verás como hei de com inúmeros e ajuizados dedos esmagar teu pênis (como quem esmaga uvas, mas teu pênis será um racimo esmagado e sempre renovado) e como tentarei com os mesmos dedos fazer com que a tua bolsa viril, mais valiosa que uma bolsa de pérolas, mais valiosa que todos os alforjes de ouro e diamantes, com que a tua bolsa, esse tesouro zelosamente escondido, inunde-me, inunde meu útero com o tépido caldo do teu sangue, verás como hei de fazer-me em pétalas e que brandura haverá em torno desse invasor, verás como nada haverá de magoá-lo, como o cingirei com flores amarelas e vermelhas, como choverão, sobre o hóspede, botões-de-ouro, azáleas, brincos-de-princesa e digitális, como morderei a tua isca e como, para não vir à tona, arrastarei com ânsia, para o fundo, cada vez mais, a isca, o anzol, a linha, a vara, o pescador e a tarde, verás o brando calor com que o cingirei, um calor de chão ensolarado, de mormaço, verás como apesar de tudo haverei de em minhas pregueadas sedas envolver teu sexo e queimá-lo, fazê-lo arder no meu fogo, no meu fogo, sem jamais o consumir." Amada, teu sexo me chama e articula, com doce veemência, todas as letras do meu nome. És linda. Amo os teus cabelos, teu semblante, os caracóis do teu púbis, tuas coxas opulentas, amo a formosura que ostentas. Mais do que tudo, porém, amo teus pés delicados: eles trouxeram-te a mim. No côncavo da mão, sopeso docemente os seus grãos e ocorre-me que sustento, no côncavo da mão, a sua voz. A voz que me fala, que me enlaça, que exalta a minha pele, o esplendor da minha carne, tudo nasce aí, nessas sementes, sim, não apenas o desejo, a força que elabora as palavras e as destila, mas também o timbre dessa voz, sua sonoridade, a voz, essa voz de bordões. Amado meu, amor, meu sexo te chama, invoca o teu, esse deus pulsador e cercado de chamas. Verás como haverá, a tua salamandra, de crescer dentro de mim, expandir-se em mim, tomar-me o ventre, as ancas, invadir meu corpo, ser meu corpo, reinar em mim, em mim reinar. em mim. Morde me.

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