UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por Temas: O ROMANCE Avalovara é estruturado em oito temas, indicados pelas letras R, S, A, O, T, P, E, N, cuja origem é o palíndromo SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS. Cada uma das letras é acompanhada de um título. A disposição dos oito títulos obedece à ordem da inscrição das letras no quadrado, conforme a incidência da espiral que lhe é superposta, gerando uma estrutura não seqüencial.

No agrupamento por temas, desconstruímos o entrelaçamento dos temas e os dispomos em ordem seqüencial, tema por tema, formando oito unidades, cada uma com seu desenvolvimento contínuo. Isso possibilita um tipo de leitura seletiva, já previsto pelo próprio autor.

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Você está em Leitura por temas » Tema R - Ö e Abel: encontros, percursos, revelações [R5]

Vamos por ruas que não conhecemos, e eu, interrogando o céu límpido, examinando a luz do Sol no chão e atentos a todas as mudanças do ar. Vestido de Verão, cabelos soltos, sandálias enfeitadas com falsas gemas roxas. Não sei como, nossas mãos se encontram, estamos de mãos dadas, ela aperta-me os dedos e mostra o rastro no céu do primeiro foguete Nike Tomahawk. São exatamente dez horas da manhã. Rápido encontro sob as árvores, ao cair da noite, junto à estátua de Dante Alighieri. dá-me o braço. Contornamos lentamente os fundos da Biblioteca Municipal, protegidos pelas ramagens que diluem e fragmentam a luz das lâmpadas. Nossos pés tornam-se pesados, tardos e nós nos abraçamos. Sua boca, sempre um pouco aberta, abre-se mais e ela morde-me a língua. Motores e buzinas, vozes confusas, passos, silvos estridentes dos guardas de trânsito. Na sua garganta, nasce e repete-se um apelo inarticulado, nasce e repete-se (a palavra, talvez, que devo encontrar?), repete-se, ecoa entre as clavículas, grito sufocado (não, não é ainda a palavra, a frase, o enunciado), nos sons sem forma e lacerantes eu reconheço meu nome. O enterro atravessa a cidade de São Paulo ao sol do meio-dia, furando com dificuldade os pontos de congestionamento. Vai para o túmulo o corpo negro e gasto de Natividade. Não nos movemos e mesmo imóveis range a cama, dormem os homens do parque nas barracas, na bilheteria, nos bancos do carrossel, as ondas morrem na areia noturna e o ruído que fazem mal se ouve pela janela cerrada. acelera o carro ainda úmido da neblina noturna, dá a volta pela Praça Roosevelt assustando os pombos, os sinos da Consolação vibram solenes na bruma da manhã e ela ri. O calçamento lavado cheira a peixe, a bagaço de laranjas. A câmara ultravioleta montada por Edwin D. Aldrin no exterior da cápsula espacial e voltada para os campos de estrelas Sírio e Veolorum busca informações sobre a idade do Universo. Números e nomes, nesses campos, florescem. Percorremos lentamente as longas ruas desertas de Ubatuba. Paredes encardidas das casas, com platibandas e decorações de massa, jardins com pérgulas meio destruídas, calçadas gastas, mato nascendo nas telhas e beirais. Os eventos são enigmáticos e quase nunca se apresentam íntegros. Um texto que cem bocas pronunciam, cada boca profere três palavras, quatro, uma, cada boca ignora as palavras que emitem as outras bocas, ignoram inclusive onde as outras bocas falam, quantas são e se existem. Pode uma boca falar e não sabe o quê. Nós sob o lençol na escuridão do quarto, estendidos, de mãos dadas, rígidos e mudos, nus. A cegueira dissipando-se e uma planta medrando no centro do meu corpo, acre raiz, caule vermelho, folhas ásperas, rugosas, planta de chamas, urtiga.

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