UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por Temas: O ROMANCE Avalovara é estruturado em oito temas, indicados pelas letras R, S, A, O, T, P, E, N, cuja origem é o palíndromo SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS. Cada uma das letras é acompanhada de um título. A disposição dos oito títulos obedece à ordem da inscrição das letras no quadrado, conforme a incidência da espiral que lhe é superposta, gerando uma estrutura não seqüencial.

No agrupamento por temas, desconstruímos o entrelaçamento dos temas e os dispomos em ordem seqüencial, tema por tema, formando oito unidades, cada uma com seu desenvolvimento contínuo. Isso possibilita um tipo de leitura seletiva, já previsto pelo próprio autor.

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Você está em Leitura por temas » Tema R - Ö e Abel: encontros, percursos, revelações [R4]

Ajoelhado no tapete, descalço os sapatos de , descalço-os e beijo os pés recurvos, pequenos, cavados nas plantas. As unhas esmaltadas luzem sob as meias transparentes. Tomo nas mãos os seus pés, os dois (ela, no sofá, meio curvada, afagando-me a cabeça) e descanso o rosto sobre eles. Nascem e abrem-se, nos pés, dentro dos pés, entre os ossos finos, violetas invisíveis: sinto-as. A Cidade navega pelos ares, em silêncio, pousa no vale. Face a face, eu e a Cidade, mudos. A quem pertencem, realmente, estes pés sob meu rosto e dentro dos quais ouço vozes? Ela repete meu nome, docemente: "Abel! Abel!" Dissipa-se o cheiro de pó com a sua presença ou com o ar morno da tarde entrando pela janela. Repetem as nossas línguas o jogo de avanços e recuos, próprio dos amantes. Os incisivos vez por outra se tocam e então nossos músculos retraem-se. Sugo, sucessivamente, sua língua e seus beiços de corte nítido. Ela faz o mesmo. Nossas línguas incham e diminuem, avançam, expandem-se, tendem a ocupar inteiramente a boca do outro. comprime a minha língua entre os seus dentes fortes, delicadamente. Ave de forma imprecisa ou flâmula negra, cintilando na linha do horizonte e aproximando-se, ampliando-se ondulante no céu puro - pássaros? - e de súbito vejo delinearem-se torres, muralhas, o rio ou braço de mar. O odor do ar que aspiro, tépido, das narinas de , alcança intensidade quase insuportável. Maior, ainda assim, o prazer de sorvê-lo. Respiro sobre um vaso de vinho? Uvas esmagadas, vides recém-podadas, folhas secas de parra queimando sob a chuva, lençóis de linho ao sol, entre latadas altas e sarmentos, eis, dentre muitas outras, algumas das imagens evocadas a esse hálito que ninguém mais possui e que ela própria, decerto, só em raros momentos exala com igual intensidade. A língua quente e agitada, feita para degustar os sabores da Terra, inverte esta função e faz-se alimento. Sabe a licor. De quê? Bebo o suco sempre renovado desse fruto vivo. Embebo-me do rumoroso ser que abraço - e sinto, no meu peito, como se a mim pertencessem, crescerem seus peitos. Não terão apenas o arredondado, mas também o colorido das rosáceas (duas grandes rosáceas sobre rosáceas menores) e neles fulgem, estou certo, palavras pouco usuais.

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