UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por Temas: O ROMANCE Avalovara é estruturado em oito temas, indicados pelas letras R, S, A, O, T, P, E, N, cuja origem é o palíndromo SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS. Cada uma das letras é acompanhada de um título. A disposição dos oito títulos obedece à ordem da inscrição das letras no quadrado, conforme a incidência da espiral que lhe é superposta, gerando uma estrutura não seqüencial.

No agrupamento por temas, desconstruímos o entrelaçamento dos temas e os dispomos em ordem seqüencial, tema por tema, formando oito unidades, cada uma com seu desenvolvimento contínuo. Isso possibilita um tipo de leitura seletiva, já previsto pelo próprio autor.

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Você está em Leitura por temas » Tema A - Roos e as cidades [A5]

Somos, eu e Roos, residentes temporários da Aliança Francesa. Vejo-a com freqüência, no restaurante onde uma divisão de vidro separa a multidão de clientes ocasionais dos que - como nós - habitam o casarão do Boulevard Raspail. Na ala destinada aos hóspedes, sempre mais tranqüila, compartilhamos algumas vezes a mesa e esboçamos, não sem cerimônia, conversas descontínuas. Põe ao seu lado a chave do quarto, uma pequena bolsa e, ocasionalmente, a gramática francesa de Mauger. Com os olhos povoados pelos bandos de africanas, brancas e asiáticas que, duas vezes por dia enchem o refeitório, algum tempo decorre até que todos esses rostos se diluam, sobrenadando apenas três ou quatro, entre eles o de Roos. As qualidades mais valiosas de um livro são como que secretas e se revelam aos poucos, sempre com parcimônia. Apreendo lentamente (texto concebido e realizado com rigor?) a beleza de Anneliese Roos, o elaborado encanto do seu rosto, e, mais ainda, seus dons secretos, acessíveis tão-só ao meu olhar vigilante e corrosivo. Acertos e enganos (assim como surpresas e acontecimentos esperados) tecem a nossa vida e elaboram as narrativas. Ignoro ainda que Anneliese Roos também segue, em outro ônibus, nesta excursão de Páscoa ao vale da Loire. Deixo-me ir, sem amigos, só como um cachorro, atravessando, na região adornada de residências principescas idênticas às que ilustram livros lidos na infância, deitado em algum quarto do chalé e conservadas como exemplares raros da arquitetura civil no período entre a Idade Média e os grandes descobrimentos marítimos, paisagens campestres ou pequenas cidades que nem de nome conheço (Étampes, Cheuilly) e que me fazem indagar, esquadrinhando os seus perfis e traçado: "Será aqui?" Vejo Anneliese Roos quando nos detemos ante a profusão de torres, chaminés e lucarnas de Chambord e os passageiros dos dois ônibus, conduzidos por um único guia, se misturam. Acenamos de longe um para o outro ante a grande escadaria e logo nos perdemos de vista misturados com os outros visitantes. Prosseguimos viagem, favorecidos pelo límpido domingo de abril. No Recife, o dia está nascendo e o céu vermelho se reflete na areia das praias. Uma dúvida começa a perturbar-me: passei, realmente, por uma aldeia de casas pequenas e velhíssimas, tetos pontudos, com tamancos vermelhos e amarelos sobre paredes escuras - ou apenas a imaginei, adivinhei-a, entrevi-a num rosto! Passam crianças, em trajes de Primeira Comunhão. Um casal almoça no meio de um trigal ainda verde, a mulher sentada e o homem reclinado. Aparece em meio à plantação, de braços dados, um casal de noivos, os acompanhantes dançam, alguém toca uma rabeca cujo som não chega ao ônibus. O casal que almoça acena para os noivos.

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