UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins
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Leitura por Temas: O ROMANCE Avalovara é estruturado em oito temas, indicados pelas letras R, S, A, O, T, P, E, N, cuja origem é o palíndromo SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS. Cada uma das letras é acompanhada de um título. A disposição dos oito títulos obedece à ordem da inscrição das letras no quadrado, conforme a incidência da espiral que lhe é superposta, gerando uma estrutura não seqüencial. No agrupamento por temas, desconstruímos o entrelaçamento dos temas e os dispomos em ordem seqüencial, tema por tema, formando oito unidades, cada uma com seu desenvolvimento contínuo. Isso possibilita um tipo de leitura seletiva, já previsto pelo próprio autor. |
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Da cabina telefônica, observo as pessoas sentadas nos cafés ou paradas diante das barracas - de castanhas, de sanduíches, de jornais, de tiro ao alvo - que atravancam as calçadas do Boulevard Saint-Michel. Casais de jovens riem ante as vitrinas ou seguem abraçados sob as árvores.
Abro, de vagão em vagão, a porta das cabinas. Anneliese Roos está de pé no corredor, talvez para que eu mais facilmente a encontre, as mãos erguidas e apoiadas no vidro, olhando vagamente para fora, para os escuros campos de cultivo, agora invisíveis. Ponho as minhas mãos sobre as suas; o fato de não se mover diz-me que estava à espera, sim, esperava. Desde quando e quantas vezes terá aberto a porta, vindo para o corredor?
- Você prometeu não procurar-me.
Sua voz mistura-se com o rumor dos êmbolos e das rodas nos trilhos, parece deslizar sobre esses sons duros, deslizar como um óleo, amaciando-os.
- Não pude mais, Roos.
Nossos rostos estão próximos e eu vejo no vidro, espectrais, meu reflexo e o seu, unidos nas mãos.
- Você prometeu. Não devia ter-me procurado.
- Que aconteceu? Por que eu não devia vir?
Suas mãos deslizam sobre o vidro, ela se volta e me fixa.
- Tenho problemas.
- Que tipo de problemas? Fale!
- Prefiro não falar. Além do mais, odeio perguntas.
Haverá realmente dito a segunda frase? Quem sabe se a ouço antes do tempo justo, escandidas por uma mulher que não conheço ainda e me ignora? É possível, igualmente, que as destilara eu próprio em minhas sombras, para impedir-me de insistir junto a Roos e conservar íntegro o enigma, rico em suas virtualidades como não importa que revelação. De qualquer modo, o silêncio obstinado de Roos, detestável que seja, por certo atende ao que sou. Tenho o direito de indagar (no átrio de Santo Eustáquio, em Bruxelas, observando aos últimos clarões da tarde a nave do templo, a qual, ao invés de prosseguir na linha da visão, inflete para o lado esquerdo ao aproximar-se do altar-mor, quase ocultando-o, fruo até o embotamento o íntimo desequilíbrio provocado por essa anomalia arquitetônica) se a esquivança de Roos não será um cálculo, uma resposta precisa a disposições do meu temperamento, se ela não a usa como um véu transparente.
- Ficaria tão grata, se não insistisse. (Prende-me de leve o braço.) Não desembarque em Lausanne.
Minha voz cada vez mais seca e áspera, areia grossa misturando-se ao rumor do trem.
- Por que não segue comigo? Por que não manda as cautelas para o diabo? Roos, eu contava com essas cinco horas de viagem para... Não foi possível e eu... tenho um minuto ou dois para dizer o que só aos poucos...Não vejo apenas o seu corpo, não no sentido comum, quero chegar a você, amo-a, Roos, não, não sei se é isto. Roos! Roos!
Suavemente, fecha-me a boca com as mãos:
- Pensa que não vejo? Que não sei? Mas tudo isso é inútil e sem futuro. E mesmo sem presente. É o meu marido que está em Lausanne.
- Sanatório?
O sol pisano sobre os mármores dos monumentos e as velhas fachadas ocres ou rubras margeando o Arno. No centro do Batistério, o eco dos meus gritos, três, quatro, ressoando como um sino de bronze. Sua voz lenta, a palavra difícil, a tenra garganta atravessada de agulhas.
- Sim. Há oito meses.
- Têm filhos?
Uma cidade em círculo (Nordlingen?), outra retangular (Aigues-Mortes), outras sem plano, todas sob a neblina e a noite. Vento.
- Eu sigo viagem, Roos.
- E onde poderia encontrá-lo, se...por acaso...eu for a Milão?
- Quantos dias vai ficar em Lausanne?
- Dois. Volto depois de amanhã, ao anoitecer.
- Estarei na estação. Esperarei todos os trens que chegarem da Suíça.
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