UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins
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Leitura por Temas: O ROMANCE Avalovara é estruturado em oito temas, indicados pelas letras R, S, A, O, T, P, E, N, cuja origem é o palíndromo SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS. Cada uma das letras é acompanhada de um título. A disposição dos oito títulos obedece à ordem da inscrição das letras no quadrado, conforme a incidência da espiral que lhe é superposta, gerando uma estrutura não seqüencial. No agrupamento por temas, desconstruímos o entrelaçamento dos temas e os dispomos em ordem seqüencial, tema por tema, formando oito unidades, cada uma com seu desenvolvimento contínuo. Isso possibilita um tipo de leitura seletiva, já previsto pelo próprio autor. |
Estendido no leito, a lâmpada acesa, espero, na outra margem da manhã, que Roos me chame. O quarto é baixo, exíguo e a única janela dá para outra. O telefone fica no corredor e vez por outra eu me levanto, desço as escadas íngremes, estreitas e tão numerosas que custo a descobrir o caminho de volta, examino-o para ver se funciona. Ainda não jantei. Tenho fome?
Quando me telefona afinal são mais de oito horas. Percebo com dificuldade a longa explicação e custo a replicar. Uma coisa e clara: não nos veremos esta noite. Salta muito tarde e parece que o stand onde trabalha receberá a visita de consignatários de Bonn. Haverá um jantar. Hoje? Amanhã? Indispensável que ela esteja presente. Não irá pedir-me, é claro, que fique na cidade.
- Até que horas está aí?
- Dez, dez e meia, talvez um pouco mais. Em Paris nos veremos.
A sintaxe embaraça-me, agora mais rebelde, quando procuro mostrar a incongruência: percorro quinhentos quilômetros, por via férrea, entre Paris e Amsterdam, para ouvir que nos encontraremos no lugar de onde vim?
- Ouça, estou de serviço, tenho de ser breve. Sou grata pela visita, não acreditava que viesse. Procure encarar as coisas de outro ângulo.
Novamente deitado, repasso a conversa. Saber até que ponto as alegações são reais, interessa-me pouco. O que me preocupa é por assim dizer um diagrama. O motivo condutor das nossas relações, como numa peça musical, acaba de ser-me apresentado. Identifico-o: iremos de um extremo a outro, sem pouso nem encontro verdadeiro. Disso estou convicto, como se os acontecimentos de que ambos participaremos houvessem que nascer da minha própria invenção - e o Leitmotiv intuído nesta espécie de abertura, por maiores aflições que me possa trazer, prende-me. Tenciono resistir a essa entidade abstrata e anseio observar seu desenvolvimento.
Visto o sobretudo. Compro algumas rosas, vou à MACROPACK. Este homem de ar perplexo, ante misturadoras de concreto, removedoras de terra, máquinas tipográficas, guindastes, luzes fortes, painéis informativos, niveladoras, apetrechos para indústria siderúrgica ou destinados a prospecções em jazidas petrolíferas, sem falar nas mostras relacionadas com a arte da navegação, este sou eu. Quase não reconheço Roos, com a sua maquilagem pesada de demonstradora. O setor onde trabalha: fieiras de diamante para trefilação de metais, instrumentos destinados a verificar a polarização dos raios luminosos ou a apartá-los em determinadas substâncias, e também vidros, gemas naturais e artificiais, como o rubi hidrotermal e o berilo revestido de esmeralda, além de estojos para jóias e caixas de ouro para relógios.
Põe as rosas sobre um mostruário de pedras transparentes, diamantes, opalas e obsidianas, protegidas por uma lâmina de cristal. Parece menos cansada do que diz ao telefone (ou percebi maio que disse?) e o nosso diálogo, não muito extenso e sempre interrompido, gira em torno do seu próprio trabalho temporário. Esquecerei os dados que fornece, com a neutra correção de sempre, sobre o fabrico das lentes para óculos, como a temperatura e as outras condições a que são expostos a cal, a areia, o ferro e o carbonato potássico; não prestarei grande atenção ao que me diz sobre as dificuldades encontradas pelos especialistas para distinguir, nas pérolas negras, as falsas e as legítimas. O que me prende é a sua explicação, concisa e ordenada, sobre birrefringência ou refração dupla, descoberta primeiro na calcita, especialmente no espato de Islândia, mas verificável na maioria das pedras preciosas e em todas as cristalizadas nos sistemas triclínico, rômbico e outros ainda.
- Por isso estão as gemas separadas em duas séries. Aqui (indica as que jazem sob as rosas, num gesto semelhante ao que faz para atrair o pássaro em Amboise) as monorrefringentes. Na opala, por exemplo, um raio de luz incidente resulta num único raio, refratado no interior.
Tento perguntar - e desisto, enervado, invocando um auxílio verbal que não possuo -
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