UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins
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Leitura por Temas: O ROMANCE Avalovara é estruturado em oito
temas, indicados pelas letras
R, S, A, O, T, P, E, N, cuja origem é o palíndromo SATOR AREPO TENET OPERA
ROTAS. Cada uma das letras é acompanhada de um título. A disposição dos oito
títulos obedece à ordem da inscrição das letras no quadrado, conforme a incidência
da espiral que lhe é superposta, gerando uma estrutura não seqüencial.
No agrupamento por temas, desconstruímos o entrelaçamento dos temas e os dispomos
em ordem seqüencial, tema por tema, formando oito unidades, cada uma com seu
desenvolvimento contínuo. Isso possibilita um tipo de leitura seletiva, já previsto
pelo próprio autor.
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Você está em Leitura por temas » Tema E - Ö e Abel: ante o Paraíso [E5]
Sua posição, o dorso pesando sobre as almofadas que forram o espaldar do sofá, as mãos soltas aos lados do corpo e ambas as pernas flectidas, inclina-a em direção a mim. A saia plissada do vestido, leve e negro, estampado com aros regulares de um verde intenso, contrasta, ligeiramente erguida, com a claridade dos joelhos dobrados. O rumor compassado e discreto do relógio ao lado do sofá ressalta o ritmo da respiração. Com o braço direito, cinjo-a à altura do colo e sinto o peso da cabeça; fazendo leve a outra mão - como um ladrão de cofres - desfaço o laço da blusa. O porta-seios, de fazenda pespontada e também negra, apenas disfarça com um tênue círculo de seda, nos bicos, os mamilos que logo se distendem, sensíveis, ao contato dos meus dedos. As línguas tocando-se, continuam a ser, em um nível mais concreto, instrumentos da fala. Palatal, alveolar, velar, constritivo, por vezes oclusivo o nosso beijo, linguagem afim à das palavras, não ulterior ou anterior, podendo contudo existir sem o verbo e passível de enriquecimento na medida em que este se amplie. Diálogo, é verdade, intenso e pouco variado: diálogo de amantes. Revelo o meu desejo, ela o acolhe e responde, confessa-me o seu. Os sapatos, verdes, duas folhas lanceoladas, jazem sobre os ramos do tapete - entre os quais, por um momento, julgo perpassar uma sombra.
O sol cai a pino sobre o canavial e eu não ouço mais as vozes dos que participam da excursão. Deito-me à sombra de um cajueiro, nauseado - creio - pelo calor e a luz forte. Grandes e raras nuvens flutuam ao sabor do vento alto. Suas grandes sombras lentas deslizam sobre os montes, escurecem o vale e avançam sobre mim. Cobrem-me - sinto o frescor desta passagem - e vão-se.
Ela encolhe mais as pernas e aperta meu joelho. Sua respiração torna-se ainda menos ordenada: observo a aceleração do sangue no seu colo. Neste ponto da sala, onde começa a chegar o mormaço da tarde de novembro, é menor o ruído dos veículos. Mas atravessa as cortinas, estridente, uma serra mecânica. A palavra estridor e todos os seus derivados, e as palavras serra, aço, dentes, brilho, azul, madeira, operário, mão, serragem (uma só palavra arrasta consigo todo o léxico existente ou virtual?) cruzam o meu espírito e repercutem em nossas bocas. O licor a que sabe a sua língua quente, Abel, não será então filtrado com palavras? Evoca-te, seu hálito, mirra e violetas, uvas, sarmentos, folhas secas queimando, ou o que te embriaga é o olor das palavras através das quais suscitas esse pequeno universo entre doméstico e vinário? Arrefece a pressão das nossas bocas e entreabrem-se as pálpebras azuladas de : Íris secretas contemplam-me à tona dos seus olhos, tão úmidas e dilatadas que parecem alastrar-se pelas órbitas.
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