UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por Temas: O ROMANCE Avalovara é estruturado em oito temas, indicados pelas letras R, S, A, O, T, P, E, N, cuja origem é o palíndromo SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS. Cada uma das letras é acompanhada de um título. A disposição dos oito títulos obedece à ordem da inscrição das letras no quadrado, conforme a incidência da espiral que lhe é superposta, gerando uma estrutura não seqüencial.

No agrupamento por temas, desconstruímos o entrelaçamento dos temas e os dispomos em ordem seqüencial, tema por tema, formando oito unidades, cada uma com seu desenvolvimento contínuo. Isso possibilita um tipo de leitura seletiva, já previsto pelo próprio autor.

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Você está em Leitura por temas » Tema E - Ö e Abel: ante o Paraíso [E4]

O texto em espiral do disco de Festo, quando grafado, teria um primeiro significado, efêmero e já perdido. Hoje, ressoa de longe, de um mundo impenetrável e nos atinge sem significar, evocando a presença e a visão do mistério. Não é isto linguagem na sua expressão mais densa? Assim o corpo de . O capricho dos que lidam, para qualquer fim com a escrita, elege sólidos de forma inesperada - simbólicos ou mágicos - sobre os quais exercer o seu ofício. Perpetuam-se feitos guerreiros em cilindros; evoca-se em um cone a restauração do templo de Marduc; reis assírios fazem registrar num, prisma suas guerras de conquista. Num fígado de ovelha, petrificado, assinalam-se os pontos propícios ou nefastos; e inscrevem-se, aí, fórmulas secretas, destinadas ao exorcismo e à adivinhação. Nenhum desses corpos, ostentando textos decifrados, equivale-se, em significação, ao disco de Festo, com o seu texto impenetrável. Aqui, o texto, em caracteres totalmente desconhecidos e resistentes à decifração, entra pelas bordas, vindo do mundo exterior, vindo do princípio - e enrosca-se em espiral, girando para o centro. De tal escrita, sabe-se com aquela espécie de certeza que ultrapassa e dispensa comprovações - sabe-se que obedecia a essa direção. Escrevia-se, e lia-se, coisa única na História, fazendo girar entre as mãos o disco: como a Terra gira e os astros. Escrita que reflete, mais que nenhuma, o mundo e a nossa contemplação do mundo. Sendo-nos vedado, por uma afortunada ignorância, saber o que exprime ao certo o texto - para nós noturno - do disco de Festo, nele ouvimos e lemos uma verdade onívoca, prismática, laçada pela espiral egressa de um disco invisível, do qual o disco de argila é o centro e cujo nexo final está no centro do objeto moldado pelo ceramista e escriba. Evoca o corpo de esse artefato irradiante. Nele, sem que eu realmente possa saber como, capto um vozerio difuso; e a significação do vozerio ultrapassa a de um discurso, consistindo numa espécie de entrelaçamento próximo do caos. Domina-me a convicção de que, no centro do seu corpo, imagem de uma escrita esquecida - esta, por sua vez, imagem do mundo e da sua contemplação -, pode-se entrever, entrever apenas, um nexo possível, sem leis e ainda remoto.

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