UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por Temas: O ROMANCE Avalovara é estruturado em oito temas, indicados pelas letras R, S, A, O, T, P, E, N, cuja origem é o palíndromo SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS. Cada uma das letras é acompanhada de um título. A disposição dos oito títulos obedece à ordem da inscrição das letras no quadrado, conforme a incidência da espiral que lhe é superposta, gerando uma estrutura não seqüencial.

No agrupamento por temas, desconstruímos o entrelaçamento dos temas e os dispomos em ordem seqüencial, tema por tema, formando oito unidades, cada uma com seu desenvolvimento contínuo. Isso possibilita um tipo de leitura seletiva, já previsto pelo próprio autor.

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Você está em Leitura por temas » Tema T - Cecília entre os Leões [T16]

Nua e apenas mantendo, no braço, sua pulseira com astros de ouro e moedas, Cecília aproxima-se da cama. Ajoelha-se, o pênis enristado pousando entre as coxas e como que suspensos os grandes peitos redondos. A luz que atravessa, na cortina, a lua e o leão, desvendam-se novas figuras do seu ser cambiante e povoado. Seria este a memória — a minha e a sua, fundidas? Não. Será, quando muito, uma metáfora imperfeita e viva da Memória. Tivessem os habitantes deste corpo o caráter de imagens, de representações, limitar-se-iam a repetir palavras e ações de outro tempo, submissos a uma realidade outra, exterior a eles e já ultrapassada. A autonomia de tão surpreendentes criaturas, ao contrário, é ampla. Assemelham-se aos entes da memória em não estarem, no corpo de Cecília, sempre visíveis, presentes sempre, como indivíduos encerrados num salão. Surgem, sucedem-se, apagam-se, obsecam; e o espaço que ocupam, se ocupam, é imaterial, não um espaço físico. Supor que Cecília, no espírito e na carne, altera-se quando outros corpos abandonam a doce curvatura dos seus ombros, dos seus peitos ou dos seus quadris - e que agem fora desses limites -, seria errôneo. Aos homens nascidos de mulher, identificam-se tais corpos, opostos as abstratas personagens das recordações, em dois pontos básicos: agem em função dos seus próprios impulsos e resoluções; ocupam, em grau variável (entendido que a sua existência é verdadeira, e de modo algum imaginária), um espaço físico, não imaterial. Quando, contudo, deixam ou invadem os limites sensíveis do corpo de Cecília, não o diminuem ou acrescentam verdadeiramente. Cecília, na colcha de rendas, joelhos meio afastados, mãos acima da cabeça segurando as grades de latão, espera. O rosto pálido e tenso, pálpebras cerradas, a respiração fora de compasso. Homens e mulheres, ociosos ou entregues a afazeres rústicos, inclusive os lavradores que com ela irrompem no chalé (plantam e capinam na came de Cecília, sem que chegue a mim o rumor dessas tarefas), movem-se no seu corpo. São, seu corpo e esses corpos, sobre a colcha de rendas e a toalha vermelha, de uma vez, corpos e espaço circundante, são corpos e também atmosfera — uma atmosfera aprazível, umbrosa e repassada de odores frutais. Beijo seus côncavos: entre peitos, garganta, umbigo, cintura, sobraço. Com a língua (crianças brincam nas coxas cada vez mais afastadas), sopro seu pênis ereto e nem assim viríl, embebido na feminilidade que a envolve. Chamam-me, na sua boca, duas vozes simultâneas? Duas vozes, grave uma e outra aguda, gemem: “Vem!” Com extremo cuidado, trespasso-a, da cabeça aos pés ela estremece, eu estremeço e por três vezes, sentindo no dorso, insofridas, as unhas de Cecília, sou admitido ao mundo do seu corpo - onde três vezes, com diverso grau de intensidade, eu a encontro. Que sabe, da queda, um homem, no instante em que perde o equilíbrio e tomba? Ele sofre o acidente e a sua experiência é um gênero vertiginoso de conhecimento. Assim minhas passagens no cerne de Cecília. Perfuro o mundo do qual tantos viventes irrompem e que nada abre, nada, à introdução do meu corpo. Agora, rompo-o, atravesso-o e tão limitadas estas admissões, tão velozes em sua nitidez, que ingresso e expulsão parecem simultâneos. Vejo-me, primeiro, durante o breve momento em que Cecília, cravando os dentes no meu ombro, ordena rouca: “Mais!” Vejo-me a sua frente, ambos de pé e nus. Ela, segurando uma orquídea contra o peito raso, ostenta o membro sedoso e desejável; sinto, eu, com o peso dos seios, o peso de ser fêmea e espero que Cecília me penetre. Meu pai, alegre, protege-nos com um pálio escarlate e traz no ombro um garço. Vejo-o com o pálio e a ave, vejo-o através dos meus olhos e também com os seus nos vejo. Pequenos animais, leves como palavras, voam em torno de mim e de Cecília ou passeiam em nossos corpos: aranhos, grilas, formigos, efeméridos, vespos, vagaluzes, cantáridos, escorpiãs, cigarras. Trilam as grilas, noturnas; as cigarras zunem. Cecília range os dentes e atira a cabeça para trás. Este movimento corresponde à segunda incursão na sua substância. Ela, vestido leve e claro, corre a minha frente, feliz, a mão esquerda estendida para mim. Acompanham-nos (e da sua presença estamos penetrados) homens e mulheres do povo: estivadores, caixeiros, engraxates, pescadores, marafonas, lavadeiras, artistas de circo, empregadas domésticas, costureiras, caiadores de paredes, lavadeiras, camelôs, enfermeiras, vendedores de grampos, de pássaros, de alfinetes, mestras de primeiras letras, pedreiros, sacristães. Planam, acima de nós, como se fossem alados, bichos do chão e da água: rãos, lontros, peixes-vaca, emos, búzias, tartarugos, camarãs, arraios, lesmos, calangas, suçuaranos. Sob os nossos pés, fundo, o rumor de muitas vozes raivosas ou festivas. Ouvindo-as, compreendo: os homens e mulheres que nos cruzam estão vivos, mas mudos - e o seu clamor ou os seus risos enterrados. Incorporam-se na minha última visão, ao mundo orgânico, arcos e colunas? Vejo-os, realmente, enquanto uma voz de menino, as nossas costas, narra o casamento, imperiosa? A figura do Bispo, imponente, erguendo as mãos como se fosse declarar-nos unidos (rosto de mulher) sugere um espaço solene e amplo. Existam esses grupos de crianças entregues a seus jogos infantis e esses jarros com flores. Os braços abertos do Bispo realçam os paramentos suntuosos. Cecília e eu, ajoelhados, somos um. Seus, no corpo que formamos, perna e braço esquerdos; meus o braço direito, a perna direita; duas as nossas cabeças; subsiste um seio, o esquerdo, em nosso busto. A mão direita segura a mão esquerda. Voltam-se nossas cabeças, fronte contra fronte. Nosso corpo, favos rompidos de mel, exala o gozo carnal. Esplendor? A pele: chama latejante. Gritamos e tombamos. Um hausto, duas gargantas, grito uno. Ouço o barulho do mar e vejo as grades da cama, as palmas do coqueiro, o leão rampante. Nuvens sangüíneas e longas, com reverberações de ouro, iluminam o corpo brilhante de Cecília: braços para o alto, o pênis ainda pulsando. Sobre a esteira, deitado, o carneiro rumina folhas de canela. Cecília volta-se e abraça-me outra vez. Tilintam as moedas e astros no seu pulso. Breve estação de um amor sem perguntas e indiferente a toda espécie de projetos. Andamos pelos quartos e salas do chalé, sempre nus ou ataviados com os velhos colares e chapéus que achamos nas gavetas. Cecília, o bandolim de Leonor no peito, sob as réstias que atravessam as bandeiras coloridas das janelas, a cabeça e o corpo manchados de vermelho, de azul, de verde, arranca notas soltas do instrumento. Subsistirá ou não, dentro do mundo, o oposto do mundo? O universo: também um andrógino? Questões logo esquecidas. Ecoam, com seus dias cálidos e súbitos crepúsculos, os meses desse verão inebriante, como teclas de um órgão calcadas sucessivamente e cujos sons se fundissem. Na carne de Cecília, comparável a memória e a imaginação, espaço franqueado ao meu testemunho apaixonado e onde se tornasse sensível a operação daquelas faculdades gêmeas, ocorre um fenômeno novo. Surgem, na sua carne multiplicável e da qual, na hora em que pela primeira vez nos amamos, e só então, invado o núcleo (invasões ou admissões que duram o tempo de um disparo), surgem e desaparecem com a mesma rapidez, em meio aos outros homens e mulheres, seres de outra espécie, cheios de força e como iluminados de dentro. Não posso vê-los bem, tão depressa se esbatem. Despidos, vestem-nos apenas os anéis com pedras preciosas e os chapéus em forma de chaveiros, mas sente-se que estão armados e seu olhar tem um peso de aço. Trazem, na testa, números negros ou brancos. Com semanas de intervalo, desperta-me no âmago da noite o impulso de buscar. Buscar? Mas onde? O quê? Pronuncio, como um esconjuro, o nome de Cecília e outra vez adormeço. A graça de vê-la e o meu desejo sem fundo tudo absorvem e apagam. Zumbem as coisas - portas, móveis, piso de mosaico, ar -, golpeadas pela sua presença. Quando, ao fim da tarde, beija-me no alpendre e parte (e quantas vezes, ao voltar-se no portão, corre, sobe os degraus, beija-me ainda?), rangem as paredes da casa. O vácuo e o silêncio atingem cada osso. Acendo dois rojões, que explodem e lançam no céu quase noturno luzes de estrôncio e magnésio. Minha mãe traduz, na praia: “Pode voltar”. Mas o que escrevo ou pronuncio, com estas explosões e riscos luminosos, lançados tão alto, é o nome de Cecília. Deito-me na cama em desalinho, impregnada de todas as suas presenças e das suas palavras amorosas. A Gorda: “Epa. Tomei sol e vento que já estou ourada. Vocês se acabam. Ela é boa assim de cama, Abel? Conta pra mim. E eu pensando que ela era meio homem!" Cada vez é mais imperioso ouvir tombarem os vestidos de Cecília na esteira do quarto, enquanto o vento move os ramos do flamboyant; e repetir, sob formas sempre novas, vigiados pelo leão rampante, nosso prazer tríplice. Sugere-me uma tarde, meu rosto no seu ombro e uma perna sobre a minha: “E se nós nos matássemos, Abel?” O rumor do mar dissipa-se no quarto. “Seria perfeito, não acha? Ascensão e explosão. Um fim luminoso”. Da porta, observa-me, sob o chapéu descaído, com seu olhar ardente, o homem desquieto e que inocula nos demais a sua febre. Levanto-me e procuro o revólver em cima do guarda-roupa. Vazia a caixa de sapatos: nem sombra da arma e das balas. No corpo de Cecília, estendida a meu lado, um casal (não os vejo) fala descuidado a respeito da mesa sobre a qual presumo estarem. Deitados também e de mãos enlaçadas? Hora tórrida, de estio. Talvez estejam nus como Cecília e eu, estão sozinhos, ele explica a mulher o seu amor pela mesa que lhes serve de cama. Ama-a, desde a infância, por ser assim, longa, pesada, sólida, escanteada nos ângulos e com os pés torneados. Duas coisas, principalmente, sempre o atraíram nesse móvel: o comprimento, a solidez e a cor. A mulher corrige-o, rindo: então eram três? Eram três, sim. A cor, mais do que tudo. Veja, essa cor dourada, mel e vinho tinto. Um lugar fresco, mesmo em dias como hoje. Vezes e vezes se deitou sobre ela, de borco, sentindo o frescor da madeira e aspirando o perfume nunca extinto do verniz. Este perfume, palavra alguma pode transmitir. Não acha? A mulher, também agrada o perfume da mesa. Tão leve! Leve e constante, precisa o homem. Leve como o cheiro do arroz e fiel, duradouro, indiferente às estações e às horas do dia, um perfume que ele sabe poder reencontrar, à sua espera, esteja onde estiver. A mulher confessa ter desprezo pelos móveis de madeira leve. Entretanto, aprecia as portas frágeis. No verão, ao meio-dia, costumava deitar-se em algum ponto da casa, sobre os ladrilhos tíbios. Portas, movidas pela brisa, batiam com brandura nas ombreiras. Ninguém, na lassidão daquelas horas, tinha ânimo de erguer-se, fechar as portas de uma vez ou as abrir. Elas batiam: escala breve e frágii tendendo para o silêncio. Aqueles sons, como as cigarras, eram uma das vozes do verão. O homem: “As dobradiças rangiam?” Sim, algumas, um pouco. Adverte-me a Gorda: “Cuidado, homem. Até onde vai isso? Está durando!” Respondo não saber e, na verdade, não querer saber. Mas ignoro ou sei? Esta cegueira que aceitarnos e intensificamos, Cecília e eu, é mesmo de quem nada sabe? De quem nada sabe é este ardor desmesurado com que nos consagramos um ao outro, recebendo e doando todos os bens de que dispõe nossa pródiga indigência de amantes, encerrados na luz e no calor do fugitivo verão como em uma ilha precária que logo será coberta pelo mar? Sobre os meus joelhos, nua, na cadeira de balanço, tendo a cabeça um grande chapéu branco, com plumas, Cecília conta-me a fábula concebida na fome e na loucura por uma das internadas: “Há, em algum ponto do mundo, um ovo cujas dimensões é impossível calcular e onde Deus guarda um grão de claridade. Isto para o caso de todos os fogos do universo vierem a apagar-se. Então, com um grito, Deus romperá o ovo e dele sairá voando um pássaro feito de chispas, que crescerá rapidamente, com a velocidade da luz. Mas pode suceder que o mundo recaia ainda nas trevas. Prevendo isto, traz o pássaro um ovo, onde Deus esconde a claridade”. Tomo-a nos braços e levo-a pelas salas, afirmando que ela é esse pássaro. Esconde os pés, com receio de bater nos móveis e portais. Cai no chão o chapéu branco e emplumado. Vejo, então, as criaturas sem nome e de olhar insuportável, com seus números na fronte. Última segunda-feira de março, entardecer, nuvens sangüíneas no lado oposto ao mar. Cecília e eu sentados sobre as pedras, na Praia dos Milagres. Vazante. As carnes da cintura pressionam o cós da saia verde e os mamilos esticam a blusa negra. Homens do campo, espalhados nos peitos e no ventre, chapéus nas mãos, em mangas de camisa, puxam uma carreta. No ataúde roxo vai o corpo de uma apanhadeira de pimenta. O viúvo, desfiando um rosário vermelho, acompanha o enterro. À distância, um cão persegue as ondas quando fogem e foge quando voltam as ondas. O mar, para ele, um brinquedo ou um menino. Sem falar, estendo a mão; Cecília toma-a, séria. - Minha mulher escreveu-me. Promete fazer tudo para que eu tenha o que mereço. - Diz o que você merece? A reverberação do poente, roxa e rubra, incendeia as bordas de outras nuvens, muito altas e escuras: castanhas. Nuvens de chuva? Seguem depressa, ao contrário das nuvens do ocaso, quase imóveis. Ao longe, o perfil extenso e indeciso do Recife. - Não, não diz. As sandálias claras de Cecília, com leves manchas de uso nas palmilhas. Nossos dedos se entrelaçam. O calor da sua pele e o sangue martelando o pulso fino, fazendo vibrarem as argolinhas de prata e as pecinhas de ouro. - Abel, eu estou grávida. Olha-me, fixa, ligeiramente pálida, os joelhos a um tempo ossudos e harmoniosos — e o busto voltado para mim, lançado para mim, rodeado pelo espaço da tarde, enquanto morre o dia, os lavradores acompanham a carreta mortuária e o cão brinca agilmente com as ondas cada vez mais afastadas. - Tenho um filho seu em mim. Dois estranhos, paletó no braço, vêm lentamente em nossa direção. Arrefecem o roxo e o rubro do horizonte. Flutua sobre as águas, translúcido, o bairro do Recife. Um cheiro ativo de óleo mescla-se ao do mar, ao seu aroma de iodo ou de castanhas verdes, mas o perfume que domina todos os demais é o de Cecília. Colônia, sabonete e pó, mesclados a fragrância que exalam o ventre e as coxas: de sexo banhado em muitas águas e agitado, úmido, desperto. Impregnada, decerto, desse múltiplo odor a saia verde. Os dois desconhecidos passam por nós, afastam-se. Inclino-me e descanso o rosto no ventre ainda brando de Cecília. Todos os cheiros invadem-me, intensos. Ameaças dos irmãos. Exigem, gritando ao telefone, que eu induza ou obrigue Cecília a arrancar fora o bastardo quanto antes “e assuma tudo”. Quer dizer: pague tudo. Desligo todas as vezes sem nada responder. Mas o sangue turva-se, cada vez mais negro com a instilação freqüente dessas vozes. Turvação idêntica a que sobrevêm nas discussões e lutas em que me envolvo durante os meses turvos do meu casamento. Cecília desaparece: uma semana sem vê-la. Evita-me? Por quê? Teme ouvir de mim o que os irmãos exigem e determinam que eu diga? Prepara decisões sem discutir comigo? Ordeno a Cara de Calo que a encontre custe o que custar. Volta sem dar conta do recado, com alegações confusas sobre a cintura zodiacal, o movimento direto de Urano e a força do seu Legislador, que o opõe a função de mensageiro. As linhas quase sempre ocupadas dificultam minhas tentativas de obter ligação, tanto para a Rosa e Silva como para o Serviço Social. Quando consigo falar, outros respondem. Deixo recados ou reponho o fone com uma praga surda. Sentado ante a mesa sem verniz e cuja gaveta cheira sempre a pólvora, examino o conto quase terminado. Dentro da madeira e das paredes crepitam asas secas. Insetos de mica, contorcendo-se. São nove da manhã. Abre-se a porta e os dois irmãos de Cecília invadem o quarto. O mais alto, segurando-me o braço, fala com a boca junto a minha cara; o outro, mais afastado, aponta-me o cano escuro da automática. Cheiram a couro e alho esmagado. - Damos vinte e quatro horas para você fazer Cecília decidir-se. (O desastre, existente na vastidão do tempo, não é algo a suceder. Forma vazia, suga-nos. Cecilia e eu: polpa desse invólucro oco e de força irradiante). Você não vai querer que a gente mesmo resolva essa parada com um pontapé na barriga. Vai? Damos vinte e quatro horas. O rosto de Cecília, embrutecido, sobrenada no deles. Deixam-me, com o seu cheiro de alho e de curtume, ambos lançando um olhar inclemente onde creio luzir - estarei enganado? - alguma compaixão. Meto o relógio no pulso. Ao guardar o manuscrito ouço um ruído no ar, como se um pássaro todo feito de dentes estendesse as asas - e lembro-me da automática voltada para mim. Quem teria furtado o revolver do chalé? Rumor de asas no piso. Mil baratas presas sob as tábuas fazem esforços vãos para voar e roem umas as outras.

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