UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado. As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.

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Você está em Leitura por rotas » O Corpo de Ö [N2]

Transitamos entre nós, vamos de mim a mim eu eu nós eu eu de mim a mim, laço e oito, boca e boca, transitamos e somos, a esfera circunscreve-nos e nós próprios uma esfera, boca e boca (de quem?) coxas braços joelhos bunda orelhas (de quem?) membro garganta bainhas rorantes o prazer formando-se os culhões acesos cabeleiras ais. Relâmpagos arabescos convulsos lento rolar dos trovões estrondos dos trovões carradas de pedrouços entornados sobre lastro de madeira uma explosão atira-os para o ar a sala treme cintilam cristais lustres vidros caixilhos moldura nuvens de chuva açoitadas edifícios pára-raios antenas de TV.

veemência do abraço cabelos soltos glande em V dentes luminosos

vem o prazer como um sopro benigno e temível na sua intensidade, eu sob e sobre, dois e um, sou e somos, "Raah!", o Portador a chuva ondula com o vento toldos agitando-se calçada úmida Avenida Angélica o guarda-chuva negro os prédios mais distantes como apagados ruídos muitas águas detritos na enxurrada as árvores atormentadas.

ó Abel amanhece-me atravessa os cristais desperta as aves vem amanhece-me ah (nós a árvore a praça o Sol escuro platibandas caminhão o céu lavrado mariposas brancas)

Cândido peso dos escrotos aprazível peso doces calcanhares nos meus rins abre-me a vara pródiga une-me a vara pródiga golpeio o chão com as mãos cerradas sucções e gritos ferem-me as unhas morde-me o ombro (ondas fortes contra as pedras dos Milagres flores vermelhas dos flamboyants no quadro da janela e urros de leões rondando os tetos das casas) teu rosto as flores abrindo teu rosto os dias surgindo as alegrias vindo e lanternas secretas revelando na tua face carnal o luminoso rosto de palavras.

a esfera o Jardim ainda impenetrável hirtas figuras circunspectas meio devoradas pelas traças seu flébil odor de flores e de luvas guardadas em malas de viagem (pêlos cambiantes dos flancos carne amável airosos peitos coxas venustas fragrância inebriante do púbis o falo insigne as egrégias nádegas de margaridas camélias e açucenas a língua sábia a excelsa fenda dúplice) ah corpo verbal e ressoante e proliferador eis que supondo invadir-te por ti sou invadido libra-se o pássaro de pássaros em círculos maiores e mais altos roçando chapas como de aço as chapas giram devagar voa o pássaro através pesadas nuvens feridas por relâmpagos pouco para as cinco prematuras completas da chuvosa abafada tarde de novembro

Volvo para o teto a vulva ergo-a para o zênite escuro como à espera de que finquem em mim do alto e para sempre o tronco da árvore do mundo cruzo os pés nos briosos rins de Abel e alteio o mais que posso a vulva em fogo boca de cão uivando uiva o meu útero eu uivo e abro-me abro-me e urro trovão amor girassóis estendo os braços em T os visitantes abstrusos e seu cheiro de sótão conservo o membro implantado prego batido lâmina e cabo forço e não recuo os beiços do períneo mordem a pele do saco estendo a mão esquerda ao longo do seu braço direito prostrado no tapete cruzam-se os dedos convulsos espécie de aflição o quase o ápice o limite os animais em nós as lianas em nós o pássaro de pássaros as placas de metal ferruginoso em pluma-se um pássaro em nosso corpo e uma grande ave preta uma ave não visível sobre as nuvens baixas voa firme lançando o seu canto estropiado canto de couros grossos cortados com serrote

relâmpago dentes línguas ventres as vulvas latejam cinge-me o anel secreto e no fundo uma língua miúda quente ágil lambe a testa do falo (andando nas pontas dos pés mãos erguidas espáduas para trás o tremido das gorduras)

eu mais e mais o teu corpo mais e mais a voz de grande e rebelde multidão e eis que nossos flancos e espáduas rompem-se abrem-se lascam-se fendem-se e a delícia dos acende os nossos e nós nos e o mundo se e jatos de chamas em torno do e todas as nossas bocas clamam como e quando nos parece haver enfim alcançado o limite supremo

ó formosura do teu rosto, aguda e afiada, reinando numa riba oblíqua, a magia da Cidade me parece perigosa pérfida infestada de ferrões e não só isto,

e nós rejubilados a vertigem o vôo galopam saltam e lançam vozes os animais que nos habitam

boca contra boca lançamos sem governo gritos e gemidos e palavras cortadas meu amor que maravi eu te e ovelhas e cães se enlaçam em nossas bocas e gazelas e leões revoam mariposas também em nós heliantos flores cem ejaculo os testículos beleza filha da puta a do seu rosto

delícia extrema da carne aberto o seu braço direito e nossos dedos cruzados seus pés mimosos nos meus jarretes uma das pernas mais estendida que a outra e a mão livre metendo-me puxando-me enfiando-me

e a voz de que ainda repete "Abel, Abel, eu te amo!"

um buraco no mundo nós esperamos calados os ternos dedos no meu rosto juntam-se as placas de aço abre-se o pássaro de pássaros toda a minha vida se concentra no ato de buscar sabendo ou não o que pesada como chumbo perde-se nas nuvens a fuliginosa ave de canto ignóbil

o pássaro dentro de nós agita as asas de seda e canta com bondosa voz

canta apaziguador o nosso pássaro mais forte o nosso abraço,

e cruzamos um limite e nos integramos no tapete somos tecidos no tapete eu e eu margens de um rio claro murmurante povoado de peixes e de vozes nós e as mariposas nós e girassóis nós e o pássaro benévolo mais e mais distantes latidos dos cachorros vem um silêncio novo e luminoso vem a paz e nada nos atinge, nada, passeamos, ditosos, enlaçados, entre os animais e plantas do Jardim.

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