UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins
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Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela
leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado.
As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas
em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos
a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.
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Você está em Leitura por rotas » A Cisterna [T2]
Tenho dezesseis anos: meus olhos furam sombras.
Mesmo assim, mal vejo as minhas mãos e braços, refletindo surdamente, à borda da cisterna, as parcas luzes de Olinda. Nenhuma estrela. O farol, rítmico, revela de relance a superfície da água, os limites das coisas, o ondular da tarrafa mal lançada por mim.
Uns sessenta passos separam-me do chalé.
As luzes do alpendre e as que jorram, ambarinas, das numerosas janelas, não descem até onde estou; o teto de zinco, que protege a cisterna em quase toda a extensão, intercepta-as. Afluem, misturados com a respiração do mar e o rumor - agora menos forte - de suas investidas na
praia dos Milagres, sons imprecisos de clarinete, de flauta, de viola, o pigarro com que o Tesoureiro se impõe, vozes joviais dos meus irmãos e irmãs, doze; na cadeira de balanço, a Gorda, instigada pelo bicho, dobra a risada.
Sinto de maneira mais intensa, a intervalos, o cheiro de umidade. Apurando o ouvido, posso distinguir, nesses segundos, dentre os rumores vagos, algum salto de peixe. Faz calor: dezembro se aproxima. Dentro de casa, formigas de asa giram em redor das lâmpadas, anunciando chuva.
Jogo outra vez a tarrafa, ouço o chepejar soturno dos anéis de chumbo e dos fios encerados. O peso dos anéis não está bem calibrado, a trama fecha-se lenta e os peixes - pouco numerosos - fogem a tempo. Assim escapa, entre as malhas da busca, o que procuro e cuja natureza ainda desconheço. Mas cuidado,
Abel.
Atenção para a rede. Seguram-na? Não há, embaixo, ganchos ou ferrolhos em que possa ter-se emaranhado. Que, então, prende-a dentro da água escura, multiplicando por mil ou por dez mil os seus pesos de chumbo? Sustenta-a algum espírito lodoso? Arrasta-a, maligno, para o fundo cimentado? Verá com quem. Seguro-a com a mão esquerda e com a outra vou abrindo rapidamente a camisa.
Estes fios no fundo da cisterna, presos nos cornos das trevas, vêm interferir, como um ruído importuno ou a vinda de estranhos, em meu trabalho secreto, a procura cega de uma indicação (o onde, o nome, o por quê) que aplaque em minhas veias o castigo de busca. Enxerga mais do que pretendo e suporto. Por que, entao, não vejo o que procuro?
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