UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado. As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.

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Prostrado no cimento úmido da cisterna, o nome estropiado que articulo é outro - não o de Ercília, a viúva do meu tio - e eu falo como de dentro da cegueira. Um cego, ainda. Só quando prendo em minhas mãos o rosto de Cecília, ferida de morte, só então vejo claro: é o seu nome, o seu e não o de Ercília, que desliza no tempo e faz-se audível aqui entre meus dentes cerrados: é a sua vida, a sua, não a minha, que recebe a sentença nesta noite; sou eu que marco a sua hora - e também o lugar e a circunstância - não me deixando colher, morrer, presa da minha rede. Vultos que eu amo enrijecem, emudecem no seu rosto, volto a sentir, contemplando-a, este cheiro de cisterna, ouço um peixe saltando, ressoam ainda uma vez essas vozes distantes e esses instrumentos já então em silêncio - e no fundo do meu ser decomposto eu deploro não haver mergulhado, morrido afogado, enredado nos meus fios. Eu a salvaria, com isto, para tão outras manhãs! O mar golpeia as pedras, avança, corrói as fundações na praia dos Milagres. Cecília, a cidade de Olinda, o Tesoureiro, a Gorda e meus irmãos, tudo a caminho do aniquilamento.

Há 16 anos de permeio entre esta tarde de domingo na Estrada das Ubaias e a noite em que sou tentado a desembaraçar a tarrafa no fundo da cisterna. (No casarão de Olinda pouco se reúnem ainda, incompletos, sob a chefia do antigo Tesoureiro - com o pigarro insolente reduzido a uma tosse baixa de humilhado e sempre de tesoura na mão, recortando o Diário Oficial - os cantores e músicos dos meus dezesseis anos).

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