UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado. As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.

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Você está em Leitura por rotas » O Corpo de Ö [E12]

Amada: quando incontáveis seres conhece e cruza o homem sem que seu próprio ser se amplie, avance e alcance, tu me conduzes (para onde, para onde?), e não casualmente rondamos nós os limites deste bosque no qual perpassam aparições. Afluentes e afluentes, muitos desde sempre e para todo o sempre insuspeitados, formam o nosso encontro. Desnudamo-nos, imersos em mútua ebriez lúcida. Ah, fosse o vestíbulo do nosso prazer, também, o da unificação e do conhecimento! Reinas através desta hora como um astro. Teus numerosos beijos roçam a pele dos meus ombros como se temesses magoá-los, intensificas a pressão dos lábios (desejas aspirar a minha substância, a ti incorporando-a?), a seguir beijas-me de leve e outra vez com força, mas, brandos ou incontinentes, cada um desses beijos vai fundo em minha carne e planta vozes em mim:

tu me cinges, várias bocas me marcam - na espádua, à altura dos rins e ao longo das costelas - e tua mão afaga-me e também os teus cabelos, soltos. Clamam as vozes em mim, algumas desconexas e todas exaltadas, clamam e não silenciam -

quente e agitada tua língua em meus ouvidos, eu debruçado sobre mim, tu e eu, com ânimo exuberante,

tua mão cheia de anéis no meu ventre -, múltiplas clamam as vozes, através da minha boca ou autônomas, no corpo onde vais semeando-as. Clamam. Querida! Arca o homem que encontras, na sua maturidade, com o peso de algumas nódoas senis: tolhe-me, certos dias, um velho e seus gravames. Tu, certamente, me impões não sei que violentas leis e eu recupero, sob o teu influxo, uma plenitude que me ultrapassa e que o sexo alteado reflete. Chegarei, porém, a decifrar, eu, por que te amo? Transitas entre os viventes carregando o peso de uma formosura copiosa e cuja avaliação veio a tomar-se difícil. Contudo, que expressivo o teu corpo em sua vigilante desmesura! Não dilatam os homens, opondo, com tal artifício, à diminuição e ao olvido - estes roedores implacáveis o que decidem conservar como exemplo? És, de certo modo, a tua própria ampliação. Tentassem meu amor e meu desejo magnificar-te: inventariam uma mulher aquém de ti e que seria, se tanto, o teu reflexo esmaecido. Precisarei dizer, enquanto apertas voraz a minha língua entre os dentes, que me fere a beleza manifesta na carne? Afligem-me, pelo que abrigam de transitório, o esplendor do teu rosto, o do teu corpo. O efêmero, entretanto - ainda não é tempo de que eu saiba como - funde-se, em ti, à permanência: ungida de perenidade, outra presença me espreita no espaço do teu corpo. Também te amo por isto e ainda pelos vultos femininos que integram, vívidos, a tua substância, a ela acrescentando uma qualidade plural. Tu: estuário. Amando as convergências, o que de convergente há no teu ser havia de atrair-me. Isto, amor, é tudo? Não e não saberei, com clareza, porque te amo e não poderei alcançar todos os motivos e sentidos deste encontro, numerosos e talvez até contraditórios. A decifração, afinal, seria a prova de que tudo - nós e nossos passos e esta hora - dispensavam existir.

e vejo à plena luz do dia a magnitude do seu corpo, de si apenas ornado e dos reflexos que o embebem.

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