UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

A Fidelidade factual
No tema R, são descritas as etapas, passo a passo, porém não em seqüência, do lançamento dos foguetes americanos que a partir da Praia do Cassino, no Rio Grande do Sul, tinham a missão de observar o eclipse solar, ocorrido em  novembro de 1966. Lendo o Correio do Povo, maior jornal da época no Rio Grande do Sul, podem-se seguir os preparativos para a observação do eclipse. Muitos dos dados técnicos colhidos no Jornal coincidem com os inseridos em Avalovara.

  • Manchete jornalística [R6] [R14]
  • Opressão [R6] [R14] [R15
  • O Enterro de Natividade [R6]
  • O Eclipse [R5] [R7] [R13] [R19
  • Reflexões de Abel ou Ö [R6] [R14]

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Você está em Leitura por rotas » O Eclipse [R22]

Desarma-se o equilíbrio: ressurge o Sol - um nada - e o espaço inteiro, abalado, estremece. Lenta e em ondas tão nítidas que o céu parece desmontar- se, a luz desce do alto, do disco lunar deslocado: incontáveis anéis concêntricos e autônomos, deslumbrantes alternâncias de reflexos e de azuis ainda noturnos, pesado relâmpago espiralado ou circular, originado no zênite, aceso no zênite. Antes que o primeiro pássaro, alertado pela percussão da luz no mundo, voe ou cante, antes que nos alcance o grito unânime da cidade, antes mesmo que e eu gritemos, antes que alguém grite, eu, transgredindo um espaço selado, abarco e aceito, à reveladora claridade desse relâmpago regirante que rompe - unindo-o em seguida - o véu das coisas, restringindo, creio, a minha insciência, abarco, peso e aceito duas verdades ligadas à essência de e do mundo. No momento em que, golpeado e destruído o efêmero simulacro de noite, ressoa o espaço, empalidecem o azul e os astros, anula-os uma transparência fugaz e eu vejo o verdadeiro céu - ou um dos céus existentes, em geral inacessíveis, quem saberá por que, à nossa privação. Menos belo e confortável que o céu de nuvens, planetas e quazares - e simultaneamente mais perturbador -, essa fase veloz e ofuscante do eclipse descobre um céu lavrado pelo uso, sólido, evocando, na cor e na penúria, eu diria mesmo na textura, um velho muro riscado ou uma porta de privada, com os seus desenhos e inscrições. Nada traduzo do que no alto descortino.

Menos insciente e tão modificado, no curso desse rápido instante, como o firmamento e a cidade, antes imersos na atmosfera noturna e agora embebidos numa espécie de aurora lívida, ouço mover-se um pássaro entre os ramos da árvore: defronto, ouvindo-o, a mulher e o céu de sempre, cândidos, novamente acobertando, sob aparências reais e assim mesmo truncadas, suas identidades secretas. Canários ainda imprecisos novas réstias cruzam o ar ladra o chão matinal o Sol multiplicado um galo refletindo-se nas casas canta sob pedras um cachorro breve muitas estrelas ressurgem chão e casas perdem a intensidade esvai-se com o retorno do Sol árvore da noite novas réstias curvas - o Sol multiplicado - refletem-se nas pedras sob a árvore, canários cruzam o ar, um galo canta matinal, ladra um cachorro e chão e casas, ainda imprecisos, ressurgem da noite breve, muitas estrelas perdem a intensidade, esvai-se com o retorno do Sol, crescente ainda fino, o núcleo central da mancha escura ao longo da divisa, na coxilha povoada de rebanhos, de carneiros e de bois atordoados, as garças afastam as asas, ouço vozes indistintas de adultos e meninos vindas das ruas próximas ou dos corpos de , mariposas feridas pela passagem da pesada ave do eclipse e pela volta do Sol debatem-se no calçamento e no ar

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