UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado. As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.

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Desaparece a língua de chamas. Voassem as aves cósmicas de Humboldt, ou, aterrados, monstros da alta atmosfera, em bandos e compactos cerrados, a um só ir, zás, do oval de sombra, levando a sombra nos pêlos e nas penas das caudas, atrás, como o pó e o vento dos galopes? Verga-se, nos seus pesos e forças, o mecanismo vultoso e delicado do eclipse? Fulge ainda na Lua um espelho mínimo, mas, contrariando previsões e cálculos, o disco negro traga- o: eis a caligem absoluta. Que nome tem esse grito que estruge de uma vez no acampamento, grosso e animal, lançado até pelos mudos? Clamor dos dentes? Trovoada negra? O mundo vindo abaixo?

Agitam-se cor de chumbo os perfis das bandeiras, um fulgor acende-as, abre no cenário clareiras e vazios, borrões de betume, parte o quinto foguete da seqüência de quinze.

Um vento move nas trevas os ramos da árvore na praça, inquietando os pássaros, rítmico. Abano de plumas, rítmico, a cabeleira de pulsa ao sopro compassado. Ouço um ruído áspero e vindo de grande altura, como se todas as portas da cidade, arrancadas, boiassem no ar e se abrissem de um só golpe, rhroeirh. A vasta nuvem escura, compacta e adejante só evoca em mim e a idéia de pássaro no momento em que nos sobrevoa com o seu cantar informe. As asas, tão largas que, abertas, apagam muitas estrelas e a brilhante coroa em torno do disco betuminoso da Lua, tornando ainda mais negra a breve noite meridiana, sacodem os tetos das casas quando batem, encurvam os galhos da árvore, levantam o pó das pedras e atiram mariposas contra nós, contra o chão, contra as casas. Curvamo-nos, as mãos à altura dos olhos, fazendo o possível, apesar dos ciscos e das asas nas pestanas, para não perdê-lo de vista (sua plumagem de ébano) e rimos, sufocados, do seu grasnido lastimável, um aleijão: laringe de chifres e de batinas velhas? Sua passagem é rápida, um vôo reto, embora dificultoso (as asas, longe de erguê-lo como as dos pássaros diários, arrastam-no, cabeça e asas, vivas, levando um corpo morto, um fardo) na direção sudeste-noroeste, parecendo evoluir de um lugar ensolarado para o centro da escuridão, cruza os céus, grotesco e estúpido, desaparece. está nos meus braços, a respiração descompassada, mariposas debatem-se nas pedras e algumas folhas voam ainda. O volume, a vibração, a consistência, o peso, o calor e o perfume, sob o eclipse, do seu corpo desejável e ainda secreto, Sol e Lua apagados sobre nossas cabeças juntas (a face aveludada e febril), as ocultas estrelas diurnas reveladas.

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