UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins
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Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela
leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado.
As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas
em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos
a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.
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Você está em Leitura por rotas » Olavo Hayano [O24]
Quando não estou reclinada no sofá, ando sem ânimo entre as vistosas poltronas e as molduras douradas das pinturas de gênero adquiridas por Olavo Hayano, mudo de lugar os enfeites que detesto — narguilés, bichos de vidro, bonecas japonesas — e aos quais vêm juntar-se todas as semanas outros semelhantes, deito-me de través na cama de casal ou fico ante os espelhos, penteando os cabelos. Experimento, com vagar, meus vestidos leves e floridos.
Pela centésima vez, Hayano rompe o silêncio e me pergunta: “Por quê?” Para ele, tudo tem causa, por força. Pela centésima vez deixo de responder e o silêncio instalase novamente entre nós. Insiste, feita a pausa, sua voz neutra e um pouco ansiosa: “Qual foi o motivo? Tenho o direito de saber”.
“Por que atentou contra a sua vida? Com a minha própria arma! E se houvesse morrido?"
No copo vermelho, a lamparina estremece. Aspiro o vazio de Hayano como quem aspira um odor de ossos.
caço Olavo Hayano, atinjo-o - este é meu chumbo, minha boca de fogo - abrindo as pernas a outros. Nem sempre esses outros são torpes nos afagos e as vezes se mostram hábeis entre lençóis, Meu gozo, quando vem é mudo, soturno, eu travo os dentes e clamo: “Inferno!” Corto-me em pedaços, como Inês corta instada por mim seu uniforme sujo. Deixo-me ofender e assim ofendo, rasgo. Mas o esporão volta a crescer, nas coxas, na cara, nos olhos, não sei onde cresce. Recebo ainda, em mim, a glande fria de Hayano e continuo estéril. Ele não faz comentários.
Hayano traz um cão para o apartarnento, um pequeno cão policial, de hálito podre e olhos perversos. Sob a pele do peito, oculta no pelame faiscante, há uma pequena cartilagem, ponto duro, semelhante a uma cabeça de alfinete.
Hayano: “Por que o tiro?” Volto à cabeça, reticente. O cão fareja-me e segue-me, mostrando os dentes. Afeição? Suspeita?
Cresce o cão à medida que se deita, ou se levanta, ou come, ou rosna. Há agora no seu peito, furando o couro, um bico.
Hayano afaga o cadáver peludo. Do bico na barriga do cão escorre um fio de sangue. Ouço a pergunta de Hayano, sua voz surda e remota: “Quem matou?” “Eu”. “E o tiro no seu peito?”
Hayano agora ressona. Distingo, nitidamente, dentre os murmúrios que transbordam de sua luta com os mortos furiosos, a interrogação de sempre: “Por quê?”
vejo o que sei e apesar de tudo preciso ver com os olhos para que seja pleno tal conhecimento, vejo, Hayano é um Iólipo.
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