UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado. As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.

Imprimir tudo    Voltar

Você está em Leitura por rotas » Olavo Hayano [O23]

descrevo o apartamento da Avenida Angélica onde vive Hayano com seus pais, os tapetes encardidos, as poltronas de damasco alterado pelo uso, a prataria,

toda uma série de elementos cênicos reveladores de vida abundante em fase de declínio, descrevo os cerimoniosos chás, o pai de Hayano, alto, o queixo de mula, sentando-se em diagonal por causa das dores constantes na coluna e fechando os olhos para degustar a infusão, Bilia, baixa e compacta, não é tao gorda ainda quando a vejo atravessar sob a chuva o jardim ao lado do filho em uniforme da Academia Militar, Bilia, cabelos aparados sobre a nuca vermelha, ingerindo sem pausa chocolates e doces, pouco a vontade - vê-se - na poltrona (vive sempre deitada em camas ou sofás), olha vez por outra para o filho através dos olhos apertados, com uma expressão relutante, mas louvando-o, exaltando-o, ele há de obter as graduações mais elevadas, todos hão de ver isto, descrevo a sua voz, rolando na garganta entre paredes espessas de gordura, seu riso vindo do esôfago sem que um traço do rosto embotado pela enxúndia se altere, descrevo o ar de realização de Hayano, a serenidade com que ouve as palavras opressas de Bilia, é evidente a confiança dele nas promoções com tanta insistência e firmeza anunciadas, afligem-no apenas o zumbir nos ouvidos e os sonhos de que sempre se queixa, únicos de que se lembra, onde só os mortos aparecem, raivosos, em mil situações, isto e nada mais torna-o apreensivo, eu descrevo os zumbidos e os mortos raivosos que se debatem nesses pesadelos,

, eu descrevo a chuva repentina, ventos inconstantes agitam os dois ciprestes que ladeiam o portão alto da Marquez de Ytu, eis-me despindo o vestido de noiva e jogando-o sobre esta poltrona em um dos quartos nos quais nunca se entra (as revistas européias de 1912 e os frascos de perfume que só recendem a passado), descrevo a viagem de automóvel, e o desalento e a cólera de Hayano quando constata as precárias condições do hotel em que se vê constrangido a pernoitar, ainda não existem os alicerces do hotel quando o descrevo,

Hayano entra no quarto, aproxima-se de mim e tira-me a grinalda. Eu o desejo, é um desejo ácido, com gosto de vinagre, ardo de desejo e ardo de pavor:

ele me inclina sobre os lençóis, o abajur ao lado da cama está aceso, a lâmpada pendente de um fio está acesa e se refiete no espelho oval do centro, com qualquer coisa de meticuloso nos gestos Hayano despe-me a camisa rendada, cai sobre mim, frases ditas por um homem ecoam em algum quarto próximo, Hayano rompe-me o hímen, os hímens, o lustre sobre nós, cristais e objetos de prata oxidando-se aos poucos na penumbra, as palavras do homem ecoam sem resposta, presa entre os braços de Hayano eu me debato, de prazer e de horror eu me debato, ele conhece-me, estupra-me, grito de ebriez, choro de medo. Fere-me o sexo de Hayano, duas vezes me rasga, gélido,

Olavo Hayano acende a lamparina dentro do copo vermelho. O abajur e a lâmpada no fio continuam acesos, ele observa minha nudez. Com um punho fechado sobre os olhos, deixo que o faça e não procuro cobrir-me. Senti prazer? Sim, mas ignoro se este é realmente o que se deve sentir. Ele se debruça e beija-me no rosto. Abro todos os meus olhos, flores carnívoras, fito-o, olhos abertos. Por que é gélida a extremidade do seu sexo? Sorrateiro, estende a mão esquerda para o abajur. Com um dos seus gestos inesperados e rápidos, faz incidir a luz sobre meu rosto. Dou um golpe na lâmpada, voa a lâmpada e tomba no tapete, Hayano segura-me pelos cabelos e tenta ver o fundo dos meus olhos. Lutamos sobre a cama. Para quê? Desisto de esquivar-me, de esquivar o rosto, os olhos, e afronto-o, as pálpebras abertas, todas, para que ele veja - e ele vê, e grita que eu tenho quatro olhos nas órbitas, uns por dentro dos outros,

© Copyright 2012 - UMA REDE NO AR :: Os Fios Invisíveis da Opressão em Avalovara, de Osman Lins. All rights reserved.

Centro Universitário Ritter dos Reis - Rua Orfanatrófio, 555 - Cep: 90840-440 - Porto Alegre/RS - Brasil | Telefone: +55 (51) 3230.3333