UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado. As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.

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Você está em Leitura por rotas » O Escravo Loreius [S7]

Durante os meses em que Loreius, imerso em especulações, busca resolver o problema imaginado por Publius Ubonius, as conversas entre ambos giram interminavelmente em torno do assunto. O escravo, porém, à medida que julga aproximar-se de uma solução, torna-se evasivo. Ubonius interpreta o seu ar reticente como incompetência e passa a restringir as atenções com que o distingue. Chega mesmo a negligenciá-lo.

Na manhã em que Loreius, ao despertar, vê-se aliviado do problema, resolvido enquanto dormia (do mesmo modo que um furúnculo, tratado com emplastros nas horas em que estamos despertos, estoura durante a noite), seu primeiro impulso é correr para Publius Ubonius, transmitir-lhe a solução e assim liberar-se. A caminho, decide não ir. Agora, que vir a ser livre depende de um simples gesto, de algumas palavras, um prazer talvez superior à libertação é adiá-la. Mais: no seu íntimo, já não se considera nem se sente escravo.

Ubonius, agastado com a sua altivez, passa a adverti-lo. No começo, Loreius se diverte com essas reprimendas que passam através dele. Um dia, excedendo-se o senhor, rebela-se e exige:

-Trate-me como a um homem livre. Na verdade, eu já não sou seu escravo. Descobri as palavras.

-Então diga-as.

-Não. Só as revelarei quando bem me aprouver.

O senhor (será ainda o senhor?) dá-lhe as costas e põe-se a refletir. É verdade o que diz o (talvez não mais) escravo? Se for, e se o maltratar, o enigmático frígio será bem capaz de, por vingança, preferir manter-se na servidão a revelar o segredo. Também pode ser que ele nada tenha descoberto e a afirmativa não passe de um ardil. Sua propensão a refletir indefinidamente acerca de um assunto, não importando qual, leva-o a emaranhar-se em prognósticos, hipóteses, cálculos, suspeitas, precauções, conjeturas, subconjuturas e irradiações de todos esses atos intelectuais, multiplicando-os de tal modo e com tanta constância, que vem a tornar-se, em espírito, escravo do seu escravo. É, como se jogasse com ele uma partida cega de xadrez e aspirasse a esgotar, mentalmente, todos os possíveis lances do adversário, bem como as conseqüências destes.

Ignora um pormenor que torna vãs suas cogitações: o comportamento de Loreius não dependerá de qualquer injunção exterior: está decidido a só na hora da morte revelar a sua descoberta, determinando que as cinco palavras assinalem a sua sepultura. Em conseqüência dos intérminos jogos mentais de Publius, que hoje o avilta para favorecê-lo amanhã, oscila entre a fartura e o despojamento.

A vaidade perde-o. São freqüentes, em Pompéia, as tavernas. Num balcão de mármore serve-se vinho aos passantes. Por trás desta sala, existem outras, destinadas aos jogadores, com inscrições nas paredes e pinturas que são réplicas das cenas ambientes: jogadores em torno de uma mesa, quietos ou, em luta; salsichas, queijos e atados de cebola pendem sobre eles. No andar superior, nem sempre com entrada ostensiva, alcovas para os encontros íntimos. Numa destas casas, buscando engrandecer-s,e aos olhos de uma cortesã de quem a tradição conservará o nome, Tyche, Loreius revela o estranho embuste e a frase mágica. Tyche percebe a vantagem que pode colher do segredo e transmite-o ao homem a quem ama, um vinhateiro.

O vinhateiro, habilmente, vende a Publius as cinco palavras do escravo. Loreius, ao ver-se defraudado, e reconhecendo haver perdido a única oportunidade de ser livre, grita pelas ruas de Pompéia, afirmando havê-la descoberto, aquela frase que as crianças logo riscam nas paredes e os li bebedores, com vinho, nos balcões das tavernas, dirige-se ao quarto de Tyche sem que o vinhateiro tenha forças para o impedir, brada ainda uma vez as palavras da sua perdição e, desembainhando uma punhal, mata-se diante da mulher.

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