UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado. As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.

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Você está em Leitura por rotas » O Escravo Loreius [S6]

Não ignora Loreius que a palavra central da frase a ser descoberta e que servirá de suporte às outras quatro - deverá também, para desempenhar sua função, ser lida indiferentemente em ambos os sentidos. Repassa, assim, nos banhos, nos sonhos, só, em companhia, durante as representações teatrais ou ao longo de seus habituais passeios às vertentes suaves do vulcão, todos os termos palíndromos de que pode lembrar-se, acabando por, dentre todos, optar pelo que mais fascinante lhe parece. Escolhe a palavra TENET, não apenas por ser um verbo indicativo de posse, de domínio, fator de alta importância para ele, um escravo, como por subentender (tenet: conduz, sustém; mas quem conduz, quem sustém?) a existência de um terceiro, um agente, alguém que age, desconhecendo-se porém a sua identidade e o que faz ao certo. Também pesa em sua escolha a circunstância de que, escrevendo a palavra duas vezes, em cruz, de maneira que o N sirva de ponto de interseção, e eliminando em seguida a sílaba pousada - ou plantada, ou cravada - sobre a palavra horizontalmente escrita, evoque, a disposição das letras restantes, ampliado, o desenho do T, início e fim do vocábulo.

Esta curiosidade não teria, para Loreius, maior importância se a cruz, a cruz em T, não fosse o instrumento com que se supliciam os escravos fugitivos. No dialeto dos seus pais, originários de Lâmpsaco, na Frígia, net, partícula que resta da palavra tenet uma vez eliminada a sílaba inicial, significa "não mais", com o que entrevê o imaginoso servo de Ubonius, nesse jogo com o TENET, uma espécie de logogrifo, acessível apenas à sua compreensão de escravo. Assim se traduz o seu entendimento da charada: "Loreius, caso descubra o que ambiciona o senhor, conduzirá livremente a sua existência e não mais será crucificado se tentar fugir".

Estabelecida a preliminar do problema, resta ainda encontrar quatro palavras, de cinco letras cada e cuja letra central será inevitavelmente um E ou um T. Esta limitação, por mais cerceadora que pareça, facilita a tarefa proposta. Loreius tem um caminho. Com esta cruz central, formada pelo verbo TENET e que tão claramente lembra os pontos cardiais, já não está perdido nos oceanos turvos, sem margens, das palavras.

Chega assim, de experimento em experimento, à sua frase em ângulo, vista entre espelhos invisíveis que ao mesmo tempo a cortam e a completam - e que, gravada em pedra, reproduzida em pergaminhos, se difundirá pelo mundo, intrigando os que com ela se defrontam e que inutilmente pensam em desmontá-la, alterá-la, subtrair-lhe uma só letra, pois a frase nos fita como um olho, inviolável, circular na sua quadradura, tão perfeita que tocá-la é ferir uma pupila a golpes de estilete.

SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS. O sentido exato da expressão, tão concisa, perder-se-á com o tempo, tornando-a ambígua. Aos contemporâneos de Loreius, porém, a sentença é de uma grande clareza e o seu único mistério consiste numa duplicidade de sentido. Diz-se: O lavrador mantém cuidadosamente a charrua nos sulcos. E também se entende: O Lavrador sustém cuidadosamente o mundo em sua órbita. Esta última significação, portanto, atende também aos anseios místicos de Ubonius. Sobre um campo instável, o mundo, reina uma vontade imutável.

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