UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins
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Leitura por alegoria: de uma forma muito geral podemos dizer que alegoria é uma figura de linguagem, um uso retórico da linguagem, como tal utilizada desde Homero, ou a partir dos intérpretes de Homero. Desse ponto de vista, já se percebe a tendência à leitura, pois é o leitor que constrói/desvenda o sentido alegórico. A alegoria tem uma longa tradição de usos, conforme as situações, que levaram os letrados e os teólogos, em grande medida, a lerem sob um texto um outro texto. Segundo nossa perspectiva, Avalovara contém várias alegorias. Para Osman Lins, o próprio romance é uma alegoria: “Eu ambicionava realizar um texto que, sem limitar-se apenas a isto, expressasse a minha paixão pela escrita e pelas narrativas. Um livro que fosse, no primeiro plano, se assim posso dizer, uma alegoria da arte do romance”. (EVANGELHO NA TABA, p. 175) |
O Tapete
Algumas das alegorias que identificamos como O TAPETE, A CISTERNA, O PÁSSARO, O PALÍNDROMO, O RELÓGIO nos indicam a representação, através dessas formas concretas, da complexidade de, pelo menos, duas esferas que envolvem o espírito humano: a religiosidade e a arte, a criação (no caso, a literatura).
O tapete representa a literatura pelas referências à Divina Comédia, de Dante, e a criação, pelas referências ao gênesis bíblico. Espaço de transgressão, o tapete sobre o qual Abel e amam e morrem, é uma teia de fios e nós que fomam uma galeria de flora e fauna com alguns animais executando estranhos movimentos pela sala e pelos corpos de Abel e . A conquista do conhecimento representada pela árvore do paraíso culmina com a fusão dos dois corpos que em êxtase amoroso integram-se ao próprio tapete, alegoria do romance.
Assim como um tecido poroso absorve a umidade, vai o meu corpo bebendo, permeável, os desenhos do tapete. Projetam-se, em minha carne e ossos, ângulos brancos, barras, franjas fulvas, ramos, gamos rubros, coelho, flores, pássaros: folhas de cor imprecisa. Um bosque abstrato, onde as coisas surgem, crescem, mas não vivem: não bramam os gamos, as flores não rescendem (In: O Tapete - O7)
ou escondido nas eternas ramagens do tapete um pássaro e lenta ela me invade e é em mim e mostram-se em nossos corpos fundidos vultos que reconheço e amo pulsam presenças perpassam vozes corre o agora entre margens e nós próprios lá estamos enlaçados nós enunciados ou passíveis de enunciação nós e o que provocamos nós e o que fabricamos nós e o que perguntamos nós e o que testemunhamos nós e o que ambos deglutimos o que ambos odiamos o que ambos escandimos o que ambos amamos sonhamos desejamos o que ambos. (In: O Tapete - E17)
A rede
A rede está associada à cisterna porque é o artefato que Abel, narrador-personagem, usa na tentativa de captar um conteúdo para ele ainda desconhecido e pela freqüência como uma vem relacionada à outra. A rede é uma alegoria que representa a possibilidade de movimentos ascendentes e descendentes. Essa ambivalência vem expressa em sua simbólica que engloba os sentidos de busca das forças divinas, criadoras, e sua função captadora do que está imerso, em malhas que oferecem resistência às tentativas de desenredá-las.
Os fragmentos referentes à rede, distribuídos no tema T, aproximam as trevas e a luz, representando os sentidos da opressão, da limitação e da criação. A simbólica da rede liga-se à figura da morte, que perpassa o tema T desde a apresentação das fiandeira Hermelinda e Hermenilda - Agulhas, nesta fábula fiada pela Morte, até o capítulo final, com a morte de Cecília, que provoca a morte da palavra. A contiguidade persistente entre a rede - eixo captador das trevas e da luminosidade - e a morte faz da busca de Abel a tentativa de decifrar o indecifrável, de expressar o inexprimível, numa viagem ao interior.
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