UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por alegoria: de uma forma muito geral podemos dizer que alegoria é uma figura de linguagem, um uso retórico da linguagem, como tal utilizada desde Homero, ou a partir dos intérpretes de Homero. Desse ponto de vista, já se percebe a tendência à leitura, pois é o leitor que constrói/desvenda o sentido alegórico. A alegoria tem uma longa tradição de usos, conforme as situações, que levaram os letrados e os teólogos, em grande medida, a lerem sob um texto um outro texto.

Segundo nossa perspectiva, Avalovara contém várias alegorias. Para Osman Lins, o próprio romance é uma alegoria: “Eu ambicionava realizar um texto que, sem limitar-se apenas a isto, expressasse a minha paixão pela escrita e pelas narrativas. Um livro que fosse, no primeiro plano, se assim posso dizer, uma alegoria da arte do romance”. (EVANGELHO NA TABA, p. 175)

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Dispersos no tema O,  lemos fragmentos que dizem respeito à formação de uma estranha máquina que paira no ar e é percebida por . São sete desses fragmentos que narram como foi se constituindo essa relação de com a máquina, identificada com um grande pássaro. Paralelamente, no tema A, Abel busca a Cidade percorrendo cidades européias. Neste percurso, encontra e se enamora da personagem Annelise Roos, que é habitada por cidades. A composição desses dois temas - A e O - é paralela, significa que eles têm ocorrências em igual freqüência - alternando dois capítulos de cada um,  intercalados por um outro tema até o A/O de número vinte, a partir daí tem continuidade apenas o tema O (da dupla A/O) até o número 24, finalizando com o número 21 do tema A. Isso pode significar uma dupla face das alegorias da Cidade e da máquina. Fortalece essa hipótese o fato de as interpolações na ordenação da seqüência A/O se darem pelos temas R e S, o último explicitamente metaliterário e o primeiro aglutinador de vários sub-temas.A leitura do conjunto dos fragmentos nos leva a identificar a cidade e a máquina como alegorias da construção do romance.

Cronologicamente, a busca de Abel por a Cidade inicia no tema T. O personagem-narrador Abel, no tema T, olhando o fundo da cisterna descobre sinais de uma estranha Cidade.

Vai homem, busca a Ci­dade. (In: Formação do romance - T15)

Em busca da Cidade, percorre cidades européias e brasileiras. Não a descobre nas cidades reais, situadas em mapas e cujos percursos são marcados por kilometragens, por aspectos urbanisticos, por monumentos e praças, por visões/lembranças culturais. Em sua busca, deseja tocar as visões, aparições fugazes de cidades, no corpo de Roos. Esse percurso de Abel  está situado em fragmentos dos temas R, A, T. Finalmente, nos temas E e  N, Abel vê a cidade, que voa em sua direção, ao meio-dia, no espaço deserto do canavial.

A Cidade aproxima-se do vale ensolarado como uma nuvem de aves migradoras, a Cidade e seu rio, extraviada, tanto a procuro e agora surge na luz do meio-dia, pousa na plantação, sem nome e um pouco gasta no seu esplendor. (In: Formação do romance - E7)

Paralelamente, a personagem-narradora , no tema O, é surpreendida pela visão de uma máquina que se compõe no ar, em giros circulares, provocando uma fantástica alteração.

Nas trevas, no silêncio, sem ninguém que me ajude a suportar esse momento em que, sob o vértice da máquina, su­porto o seu peso, não, bem entendido, um peso físico, mas um peso que nasce da sua grandeza e da sua austeri­dade, processa-se em mim uma mudança de estágio, uma sagração. Sou, nessa hora, a partir dessa hora, a foz terrível das coisas, o ponto ou o ser para onde converge, com suas múltiplas faces, o que o homem conhece, o que julga conhecer, o de que suspeita, o que imagina e o que nem sequer lhe ocorre que exista. (In: Formação do romance - O15)

Nos temas E e N, em que o foco narrativo se confunde pela alternâncias de vozes de Abel e , a Cidade e a máquina, ambas alegorias identificadas ao pássaro, completam suas formações e se revelam: belas e podres. 

Contemplo a Cidade, radiosa e insulada, sobre o canavial, contemplo as águas imóveis os palácios brilhantes como quartzo, as colunas muito altas e, de súbito, como se tivesse nas mãos um pássaro de plu­magem sedosa e multicor, e, soprando-a, descobrisse no pássaro um animal escamoso, minado de piolhos, pústulas e vermes, a Cidade, sem nada perder da pompa visível, revela o seu asco, a sua doença, suas camadas maléficas, até aqui dissimuladas. (In: Formação do romance - N2)

No tema E (15 e 16) fundem-se as imagens das duas alegorias:

 Ave de grande porte a mancha negra alada fulgente surgida no horizonte? Absurdo. Sequer esta luz feita de lentes polidas a aproximaria. Que corpo então este, brilhante e em silêncio, que voa? Ave alguma, tivesse o porte de um boi e a envergadura de um telhado, seria visível a tal distância. O Sol bate de chapa na paisagem: nem sombra do gavião. Novas manchas, várias, agora mais compactas, voam lestas e sendo muitas se impõem mesmo assim como um todo: vejo, nesses objetos distantes e que, conquanto céleres, oscilam, um ser único, ainda fragmentário, esquadra de outros mundos, formação bélica, peças de um arcabouço, letras de um nome. Isto. (In: Formação do romance - E15)

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