UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado. As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.

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Você está em Leitura por rotas » A Construção do Relógio [P5]

A intenção inicial de Julius é basear-se num relógio de azeite ou numa clepsidra. Os relógios correntes, que funcionam a saltos e com os quais estamos habituados, parecem-lhe corromper uma noção que os primeiros instrumentos de medir o tempo, como a ampulheta ou o relógio de sol, restauram e transmitem de um modo menos infiel: a de ser o tempo um fluxo, um fenômeno contínuo e indiviso. Muito reflete sobre isto e sobre o quase impossível equilíbrio de processos modernos e de elementos arcaicos que exige para a futura invenção.

Embora não chegue, em suas conclusões, a uma espécie de mística, como a que constata, devido à influência da cabala, nos pensamentos do gramático Virgílio Marão sobre o alfabeto - nem sempre comparáveis, as suas associações, aos caprichosos símiles de Isidoro, autor das Etymologiae, onde encontramos a afirmação de que a pena, o cálamo, com o corte na ponta, representa uma unidade que chega à dualidade, constituindo portanto um símbolo do Logos, o Verbo divino, expresso igualmente em outra dualidade, a dos dois testamentos, o Antigo e o Novo, visão por certo emanada de Cassiodoro, para quem o fato de, ao escrevermos, segurarmos a pena com três dedos, prende-se à idéia da Santíssima Trindade -, pensa Julius Heckethorn que uma conquista técnica em órbita de transcendência igual à da escritura, a órbita da medição do tempo, jamais será gratuita. Impossível, trabalhando com relógios, manter-se alheio e deixar de obedecer a vozes silenciosas. Por menos que as ouçam ouvidos, nunca poderão ignorá-las mãos e imaginação. Ainda menos pode admitir que Gerberto de Aquitânia, a quem admira mais que a Mozart, inventor do relógio a saltos, homem de conhecimentos tão variados e pouco comuns a ponto de surgir como protagonista de lendas que o dão por feiticeiro, e isto apesar de haver reinado sobre a cristandade nos anos que assinalam a passagem, temerosamente esperada e vivida, entre o primeiro e o segundo milênios - ou seja, exatamente entre 999 e 1003 -, sob o nome de Silvestre II, se apresente, em época de tão profunda religiosidade, como responsável por um artefato despido de significação. E que pensar de ser Gerberto um conhecedor da ciência árabe?

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