UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado. As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.

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Você está em Leitura por rotas » Reflexões sobre narrativas [T15]

Abro a gaveta (sem odor de pólvora) e examino o trabalho já extenso sobre as quatro velhas. No chalé, concisamente descrito, sondam-se e falam sempre. Cada uma quer incutir no espírito das outras setuagenárias a memória da sua própria vida; as demais deverão esquecer o que viveram e recordar apenas o que ouvem. Todas, porém, ouvem três narrativas, as narrativas das irmãs. Fossem narrativas diferentes e o caos talvez se instalasse, ao mesmo tempo, em todas. Não é isto o que sucede. Irmãs, sempre viveram juntas e as suas lembranças assemelham-se. Assim as narrativas, todas idênticas, finindo, cruzadas e monótonas, entre as quatro personagens. Uma e depois todas se apercebem disto. “Ouço a história da minha vida ou esqueci realmente tudo o que vivi e conto, julgando falar de mim, as crônicas gêmeas das minhas irmãs?" Não será mais seguro inventar uma biografia? Antes isto que se diluírem no mútuo relato de eventos dos quais duvidam, mesmo tendo-os vivido. Decisão geral e quase simultânea, com a qual tudo se desconjunta. A memória assimila a invenção e cada velha, que tanto desejava impor as irmãs o relato do que viverá, ja não fala de si: conta um ser inventado. Cruzam-se pelos numerosos quartos do chalé as quatro velhas e as suas narrativas. Quatro? Descobrem que são cinco. Os relatos, como num vaso alquímico, podem ter criado mais um ser. Qual, dentre as cinco velhas (e todas inventam e narram), será a clandestina? Ninguém sabe e um ódio impaciente apossa-se de todas. Todas desejam ver mortas as outras. Sobreviver será o atestado e a comprovação da própria identidade. Esta a razão dos desejos maus e da espreita - e que, ao iniciar o conto, não me parecia clara. As velhas passarão depois a confundir o número dos quartos, das portas, dos pratos. Haverão perdido a noção das quantidades? Ignoram e continuam a não saber se serão quatro ou cinco. O ódio e a necessidade de sobreviver as demais continua, exacerbado. A primeira velha morre. Morrem a seguncla e a terceira. O conto encerra-se com a imagem das duas últimas octogenárias, contemplando-se na sala, sentadas, os velhos punhos cerrados. Contemplam a própria imagem? Elas próprias não o sabem. Não sabem e tudo esqueceram, menos o ódio e a obstinação de perdurar.

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