UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado. As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.

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Você está em Leitura por rotas » Formação do romance [E15]

O isolamento absoluto, em que me vejo, sob o Sol a pino, é o primeiro anúncio do prodígio. Voa bem alto um gavião, voa acima das nuvens,

um casal de canários - pousa no cajueiro e foge,

Refletindo o vento que incita as nuvens altas, vem dos outeiros longínquos um vento de superfície, faz ondearem as folhas do canavial e alcança-me, cheirando a roupa lavada. Perfila-se entre os montes, negra, uma chaminé de engenho

Sopra o vento raso e as folhas do canavial também plantado em mim roçam umas nas outras, verdes, as bordas como fios de navalha. A solidão, nesta hora do dia e a céu aberto, ou, o que também é possível, o sortilégio da Cidade, vindo na dianteira da Cidade, pouco a pouco esbate e confunde os meus limites. Aspiro, pelo nariz e pela boca, as cigarras e os pássaros. Depois, apenas as cigarras: calam-se os pássaros ou vão-se. Meus olhos descem das órbitas e se unem na garganta. Abrem-se os cantos das cigarras, caudas de pavões, cinco ou seis, pousadas ao acaso, eu busco o ponto de intersecção entre os sons (aí está o equilíbrio e, com o equilíbrio, a visão conjunta, um pavão de pavões), busco esse ponto e quando encontro ou acredito encontrar o centro do polígono, cai o vento, as cigarras silenciam e neste centro (ou em mim, pois com o centro me confundo) muge um bezerro. Ergo-me sobre o cotovelo. A sombra da última nuvem, vagarosa, rasteja em direção ao vale, azula as folhas imóveis do canavial, sobe a encosta a meus pés, cobre-me, passa. O céu, no mormaço do meio-dia, pálido e, na minha vista, ainda mais afastado, parece a ponto de romper-se superfície tensa. Vejo, então, no ponto onde o Sol nasce, longe, uma breve mancha negra, móvel e coruscante, planando com destino certo.

Ave de grande porte a mancha negra alada fulgente surgida no horizonte? Absurdo. Sequer esta luz feita de lentes polidas a aproximaria. Que corpo então este, brilhante e em silêncio, que voa? Ave alguma, tivesse o porte de um boi e a envergadura de um telhado, seria visível a tal distância. O Sol bate de chapa na paisagem: nem sombra do gavião. Novas manchas, várias, agora mais compactas, voam lestas e sendo muitas se impõem mesmo assim como um todo: vejo, nesses objetos distantes e que, conquanto céleres, oscilam, um ser único, ainda fragmentário, esquadra de outros mundos, formação bélica, peças de um arcabouço, letras de um nome. Isto.

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