UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins

Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado. As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.

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Quanto desejaria encontrar a Cidade cuja imagem aparece-me uma tarde, miniatural, vinda através de mares e estações, como o espectro de um pássaro ou de um antepassado! Será possível, entretanto, reconhecê-la? Não deve ter-me chegado completa. Torres e tetos, na sua migração, ruíram em parte e é possível que vegetações, muros e até pontes lhe tenham sido acrescidos, extraviados quem sabe de que outras cidades. Acredito, por exemplo, que as tríplices muralhas não existam: podem ter sido capturadas pela Cidade ao longo da viagem, cingindo-a, uma grinalda. Grinalda de pedra, com ameias e portões. Muitos exemplos existem de semelhantes acréscimos e perdas.

Sim, a Cidade, certamente, não é igual à imagem que um dia me aparece e logo submerge. Acredito, porém, que a reconhecerei - e assim busco-a. Não que saiba com qual fim e por quê. Sim, sei. Vendo-a, encontrarei - e o verbo, neste caso, em si mesmo termina, é como se eu dissesse: cantarei.

Contudo, é possível que eu venha a descobrir, na Cidade, alguma coisa - e a minha atração por Anneliese Roos, meu interesse por ela, a continuidade com que me ocupa, desde o domingo em Amboise, a mente e os sentidos, leva-me a perguntar, incerto, se acaso não me espera, na Cidade procurada, a claridade - ou então um objeto, um ser de que a claridade constitua a substância ou mesmo o avesso. Porque a claridade é a marca de Roos. Uma claridade que não ajuda a ver e que talvez ofusque. Ainda assim, Roos, essa cidades, impressiona-me por sua oposição às sombras. Imagino: ela atravessa o mundo com o encargo de não deixar que a noite prevaleça.

Ela abriga, dentre todas as cidades que em momentos propícios diviso no seu corpo (nas quais incursiono e me perco, sabendo que em breve daí serei arrancado e que logo haverei de voltar à cidade onde eu me espero, espero por mim, à sua frente), a que procuro e entre cujos muros, quando menos supuser, ver-me-ei, solitário; ao mesmo tempo, flui da sua pele, como se muitas velas a iluminassem de dentro, um esplendor - talvez a expressão visível do que sonho encontrar na Cidade, de maneira concreta, assim unindo a expressão e o seu objeto, tal como se durante anos eu houvesse lido, em palavras díspares - vida.. ave.. uva.. sonho.. hoje.. ver - as letras esparsas, ainda não unas, da palavra vinho, mais tarde a palavra vinho.. antes que existisse o vinho - e um dia, de súbito, encontrasse o vinho, e o bebesse, e me embriagasse, e soubesse que vinho era o seu nome, e que nele também estavam os sonhos, o hoje, a vida, as aves, as uvas, o ver.

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