UMA REDE NO AR - Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins
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Leitura por rotas: são incursões no romance, mediadas pela
leitura dos pesquisadores e concretizadas no dispositivo hipertextual criado.
As rotas estruturam e tornam visíveis as articulações que se apresentam diluídas
em fragmentos textuais do romance. Para a determinação das rotas, consideramos
a possibilidade de navegação por rotas lexicais e unidades temáticas.
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Você está em Leitura por rotas » A Praia de Ubatuba e o Cais em T [R11]
Vemos, então (na minha coxa a pressão dos seus dedos agitados), vemos, contra o mar nevoento e perfilados no sentido da leitura, o poste com a
lâmpada apagada e a pedra romba não ocupada; de pé, o pescador enluvado; mais ou menos no centro, o do guarda-chuva velho e o de botas, nos caixotes; o de
chapéu azul, sentado no chão; sobre a pedra da direita, o envolvido em plástico amarelo; o poste sem lâmpada, termo final da seqüência. Cresce a irritação da velha à medida que substitui as iscas no anzol sempre sem peixe. Distanciada dos postes, das pedras de atracação e dos outros
pescadores, o seu isolamento é enganoso. Motivo dissonante e solitário, concentra na sua figura terrosa as linhas de força advindas das pessoas e das coisas,
que de outro modo ficariam soltas. Esta convergência integra-a - eixo de leque - na simetria do todo e torna-a indispensável. Serão atraídos para que lugar do cais, indagamos, o ciclista e a moça vinda no quadro da sua bicicleta, ambos vestidos como a tarde úmida exige? Há,
na disposição das figuras entre os postes, uma distorção, uma inclinação, conquanto não ostensiva, para o lado onde pesca o indivíduo coberto com um plástico
amarelo: um verso onde as tônicas, divididas igualmente entre os dois hemistíquios, pesassem mais nas últimas sílabas. Apeando, dirige-se o casal ao pescador
enluvado, sempre de pé à esquerda. Não os conduz ainda, vemos bem, o misterioso impulso de obedecer às leis do ritmo que governa a cena: conhecem-se. Mas
logo os move uma força exigente. Não só não permanecem em grupo, como não parece ocorrer ao ciclista ou à moça a idéia de ocupar, imitando o do plástico
amarelo, à direita, a pedra de atracação, sempre disponível no extremo esquerdo do cais. Quebrariam, fazendo-o, a límpida e tensa harmonia do que, em silêncio,
contemplamos. A partir de agora, muitas das questões e inquietudes que participam do meu modo de ser ligam-se aos perfis, móveis ou não, sobre o cais. Leio no que
vejo? Na calma e implacável gestação de um evento ordenado? No ritmo e nas simetrias, leio? Tais realidades falam-me diretamente - não como um escrito - e
alcançam em mim uma zona pouco acessível. Chegamos, eu e , através do mundo (erradios, os nossos passos?), a este ponto de intersecção e aqui não há
desordem. Estamos numa esfera de milagres, onde os fragmentos se ajustam e refaz-se o uno. Nosso espanto é justo e legítima nossa ebriez. Este frágil
equilíbrio: lápis com a ponta sobre uma base plana, o eixo de gravidade, mais delgado que um fio de cabelo, descendo ao longo da grafite e incidindo sobre a
exígua base. Vai inclinar-se e tombar, sabemos, e nunca mais, sabemos, nunca mais. Coordena-se um texto, geométrico, dentre inumeráveis letras desconexas.
As veias, meio ocultas nos pulsos, são de todo invisíveis no dorso lívido das mãos e nos dedos de , fusiformes, de unhas ovais. Nas articulações
entre as falanges, a pele não escurece e cede em delicadas covas, quase sem enrugar-se. O casal, afastando-se alguns passos do amigo comum e
permanecendo na asa esquerda do T, toma posição de frente para nós, sobre a parede do cais - que é espesso, uns três metros de largura - oposta ao mar,
compensando assim a leve sobrecarga do hemistíquio final. O cais, até aqui cenário de um jogo abstrato de forças e onde o único indício de um embate é a impaciência da velha sentada sobre as pernas, enquanto
os demais pescadores, igualmente infelizes, sustêm com resignação as canas, agita vagamente o cais um imprevisto. Mal atira o anzol nas águas meio sujas e
pouco ondeantes que ocultam em parte os lodosos degraus nesse ângulo formado pela construção, o ciclista fisga um peixe. Grita de alegria, arrancando do anzol
a presa que se debate, escura e sem brilho, quase da cor dos degraus, à luz morta da tarde. Os outros pescadores, mesmo os que não se voltam, demonstram
perceber o grito. Todos, menos a velha: imóveis o chapéu e os braços. Novos gritos do ciclista, sucessivos, anunciam sua pescaria feliz.
A impaciência da velha, sentada a poucos metros do pescador afortunado e entre os quais, por contraste, forma-se um eixo de tensão, vai ficando menos
ostensiva e talvez mais concentrada, uma raiva. Instaura-se, no raro equilíbrio de que fazemos parte, uma dissonância. Outras forças estranhas e como arbitrárias
(é apenas a perícia que vai enchendo de peixes, seis ou sete, fisgados um após outro, o cesto a seu lado, ao passo que os outros anzóis, ali bem antes dele,
nada apanham?), insinuam-se.
O barco a motor, na proa a figura impassível, cruza em sentido contrário as águas cor de estanho.
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